Município não pode doar imóvel desapropriado como forma de incentivo. Portanto, não é possível que, por meio de lei municipal, seja efetuada a desafetação de imóvel desapropriado, por utilidade pública ou interesse social, para promover a sua doação por meio de outorga da escritura pública definitiva depois da concessão de direito real de uso.
A inviabilidade decorre do entendimento firmado pelo Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR) por meio do Acórdão nº 1730/18 – Tribunal Pleno (Consulta nº 611500/16); e da impossibilidade de o município, por meio de seu Poder Legislativo, alterar normas legais que tratam de desapropriação, previstas no Decreto nº 3.365/41 e na Lei Federal nº 4.132/62, sob pena de caracterização de grave inconstitucionalidade.
Essa é a orientação do TCE-PR, em resposta à Consulta formulada pelo Município de Santa Mariana (Norte Pioneiro), por meio da qual questionou se o Poder Legislativo municipal poderia alterar a destinação do imóvel desapropriado por interesse público de “desafetado” para “imóvel destinado à expansão da atividade industrial”.
Instrução do processo – O parecer jurídico da Procuradoria Municipal de Santa Mariana concluiu que o imóvel cuja desapropriação tenha ocorrido por interesse público não poderá ser destinado à doação para particular, ainda que se destine à implantação de indústria; e que somente é admitida a venda ou a locação do bem expropriado.
A Coordenadoria de Gestão Municipal (CGM) do TCE-PR afirmou que o imóvel desapropriado por interesse público não pode ser doado a particular, mesmo que a destinação seja para a implantação de indústria. A unidade técnica explicou que o artigo 4º da Lei n° 4.132/62 admite somente a venda ou a locação do bem expropriado, nos termos do entendimento já firmado pelo TCE-PR em Consulta. O Ministério Público de Contas (MPC-PR) concordou integralmente com o posicionamento da CGM.
Legislação e jurisprudência – O inciso II do artigo 22 da Constituição Federal dispõe que compete privativamente à União legislar sobre desapropriação. As normas gerais que tratam de desapropriação são o Decreto nº 3.365/41 e a Lei Federal nº 4.132/62.
O parágrafo 4º do artigo 5º do Decreto nº 3.365/41, que dispõe sobre desapropriações por utilidade pública, expressa que os bens desapropriados para esse fim e os direitos decorrentes da respectiva imissão na posse poderão ser alienados a terceiros, locados, cedidos, arrendados, outorgados em regimes de concessão de direito real de uso, de concessão comum ou de parceria público-privada e ainda transferidos como integralização de fundos de investimento ou sociedades de propósito específico.
O artigo 4º da Lei Federal nº 4.132/62, que define os casos de desapropriação por interesse social e dispõe sobre sua aplicação, fixa que os bens desapropriados serão objeto de venda ou locação, a quem estiver em condições de dar-lhes a destinação social prevista.
O Acórdão nº 1730/18 – Tribunal Pleno (Consulta nº 611500/16) fixa o entendimento de que os bens imóveis desapropriados por utilidade pública ou interesse social não podem ser doados a particulares como forma de incentivo à instalação ou ampliação de empresas privadas.
Em seu voto no processo de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 731 do Supremo Tribunal Federal (STF), relativo a uma norma municipal que usurpava competência legislativa da União, a ministra Cármen Lúcia concluiu que a competência dos municípios para legislar sobre interesse local não os autoriza a estabelecer normas que veiculem matérias atribuídas constitucionalmente à União.
Decisão – O relator do processo, conselheiro Fernando Guimarães, lembrou que as disposições do Acórdão nº 1730/18 – Tribunal Pleno do TCE-PR, que tem força normativa, deixam clara a impossibilidade da realização de doação de imóveis desapropriados por utilidade pública ou interesse social.
Guimarães afirmou que o tema relativo a desapropriações é bastante sensível, por se tratar de medida gravíssima imposta contra a propriedade privada, uma vez que o Estado pode utilizar seu poder de império, com fundamento na supremacia do interesse público sobre o privado, para tomar compulsoriamente a propriedade de imóvel particular.
O conselheiro ressaltou que a Constituição Federal apresenta diversas regras e princípios que devem ser aplicados, inclusive com a previsão de prévia e justa indenização em dinheiro, para limitar esse poder estatal.
O relator destacou que a União exerceu a sua competência privativa de legislar sobre o tema de desapropriação por meio do Decreto nº 3.365/41 e da Lei Federal nº 4.132/62; e que essas normas não permitem que bens imóveis desapropriados por utilidade pública ou interesse social possam ser doados a particulares como forma de incentivo à instalação ou ampliação de empresas privadas.
Assim, Guimarães considerou que alterar a vedação por meio de lei municipal caracterizaria grave violação à competência privativa federal de legislar sobre a matéria, pois o Poder Legislativo municipal estaria alterando por vias transversas as determinações de lei federal sobre o assunto, o que caracterizaria grave inconstitucionalidade. Ele citou decisão do STF, em ADPF sobre o tema, que confirma esse posicionamento.
Finalmente, o conselheiro salientou que a Constituição Federal prevê que somente estados podem ser autorizados a legislar sobre questões especificas da matéria de desapropriação, desde que sejam autorizados pela União por meio de lei complementar.
Os conselheiros aprovaram por unanimidade o voto do relator, na sessão de plenário virtual nº 12/22 do Tribunal Pleno do TCE-PR, concluída em 15 de setembro. O Acórdão nº 1830/22 – Tribunal Pleno foi disponibilizado em 21 de setembro, na edição nº 2.838 do Diário Eletrônico do TCE-PR (DETC).