O documento “A Interpretação da Bíblia na Igreja” diz: “A abordagem fundamentalista é perigosa, pois é atraente para as pessoas que procuram respostas bíblicas para seus problemas de vida. Ela pode enganá-las oferecendo-lhes interpretações piedosas, mas ilusórias, em vez de lhes dizer que a Bíblia não contém necessariamente uma resposta imediata a cada um desses problemas. O Fundamentalismo convida, sem dizê-lo, a uma forma de suicídio do pensamento. Ele infunde na vida uma falsa certeza, pois confunde inconscientemente as limitações humanas da mensagem bíblica com a substância divina dessa mensagem”.
Baseia-se numa ideologia que não corresponde ao espírito da Bíblia.
O espírito da Bíblia é marcado justamente pela comunicação de Deus através do humano; é o espírito da Encarnação: Deus usa nossa própria linguagem e se revela através dos fatos humanos da vida. Podemos dizer que ela é o mais humano dos livros religiosos, porque registra a Palavra de Deus do jeito como ela foi percebida na experiência de fé de muitos séculos e pessoas diferentes.
Recusando a história, a influência da cultura da época na formação do texto, não acolhe o método da Encarnação, escolhido pelo próprio Deus.
Se a gente ignorar tudo que é cultural, que é o jeito humano do povo de Deus se expressar, perde uma parte muito bonita do carinho de Deus para conosco. Deus teve a paciência de se comunicar conosco do jeito mais humano possível. A Bíblia mostra um modelo dessa comunicação e nos convida a fazer como fez o povo de Deus: ler no que acontece na nossa época e na nossa cultura, os recados que Deus tem hoje para nós.
Insiste de maneira indevida no fato de que todos os detalhes têm de ser aceitos como corretos por serem Palavra de Deus.
A Bíblia não é livro de História, de Geografia, ou de Astronomia. Nessas e em outras coisas, Deus não corrigiu as imperfeições da ciência da época para passar sua mensagem. Ele também permite que apareçam as atitudes do povo diante dos fatos. A Bíblia não é só um livro que nos diz quem é Deus; ela nos diz também quem somos nós, com nossas grandezas e fraquezas, acertos e limitações.
Considera como histórico o que de fato não é.
Temos a mania de achar que um texto só serve para passar uma mensagem verdadeira se ele conta um fato que “aconteceu mesmo”. Mas há muitas outras maneiras de ensinar coisas verdadeiras. Muita lição profunda pode ser apresentada em forma de poesia, lenda, alegoria, símbolo, romance, histórias romanceadas baseadas em personagens reais, parábolas etc. o mais importante não é saber o que de fato aconteceu: é perceber o que é que a Bíblia quer comunicar.
Não sabe ler o que há de simbólico ou figurativo na Bíblia.
O símbolo é a melhor maneira de falar de coisas que não cabem na nossa linguagem comum; por isso se usa tanto símbolo para falar das coisas de Deus. Pelo mesmo motivo se usam parábolas, linguagem figurada. Quem lê tudo ao pé da letra perde a riqueza da mensagem e pode chegar a conclusões bem absurdas.
Prejudica a compreensão do apelo do próprio Evangelho.
A leitura fundamentalista esquece (ou faz questão de não saber) que o Evangelho não é uma reportagem jornalística do que Jesus disse e fez; é testemunho das comunidades cristãs, escrito muitos anos depois que os fatos aconteceram.
Impede o diálogo entre ciência e a fé.
Muitos problemas desnecessários criados por uma interpretação errada da Bíblia. Jovens têm entrado em crise de fé quando progridem nos estudos porque aquilo que aprendem na escola entra em choque com o que ouviram na Igreja. Aí os catequistas culpam os professores, que seriam “gente sem fé”. Mas na maioria das vezes o erro está do outro lado: não são os professores que atrapalham; o que atrapalha é uma catequese que ensinou como Palavra de Deus o que era maneira de falar ou limitação cultural do povo da Bíblia.
O costume de ler versículos isolados, abrindo a Bíblia ao acaso em busca de resposta para qualquer problema do momento, também faz parte do jeito fundamentalista de se aproximar das Escrituras. Desse jeito, a Bíblia fica sendo uma espécie de manual de consulta mágica para situações de emergência.
(Como nossa Igreja lê a Bíblia – Equipe Nacional da Dimensão Bíblico-Catequética.)
Frei Filomeno dos Santos O.Carm.