WALTER PORTO
DA FOLHAPRESS
O escritor Ailton Krenak foi eleito nesta quinta-feira para a Academia Brasileira de Letras e se torna a primeira pessoa indígena a ocupar uma cadeira na instituição centenária.
Ele era favorito desde que postulou sua candidatura, em setembro, mas chegou a ser ameaçado na corrida pela historiadora Mary Del Priore e pelo também líder indígena Daniel Munduruku.
Havia outros 12 candidatos à concorrida cadeira número 5, antes ocupada pelo historiador José Murilo de Carvalho, morto em agosto aos 84 anos, mas nenhum chegou a ter chance além dos três.
Não é de hoje que se reivindica a presença de uma liderança dos povos originários brasileiros na instituição fundada por Machado de Assis e Rui Barbosa no final do século 19.
Na primeira candidatura de Munduruku, há dois anos, houve uma mobilização de abaixo-assinados para que ele fosse eleito. Mas a ABL não costuma lidar bem com pressões populares, como já havia demonstrado na rumorosa candidatura de Conceição Evaristo, há cinco anos.
A eleição foi marcada por um inusual conflito público. Na semana passada, Munduruku deu uma entrevista à Folha acusando Krenak de traição ao postular para uma vaga que, segundo ele, ambos tinham combinado que seria do primeiro.
Depois que Munduruku perdeu sua vaga para o médico Paulo Niemeyer Filho, em 2021, ele diz ter sido aconselhado “por vários imortais a tentar de novo”, já que havia angariado a quantidade expressiva de nove votos.
“Disseram que teria muitas chances porque seria o indígena que eles queriam”, apontou o autor e educador na ocasião.
Munduruku considerou por um momento ceder o espaço a Krenak e chegou a escrever um tuíte em apoio a ele logo após o inesperado anúncio da candidatura, afirmando ser “capaz de abandonar um sonho longamente sonhado, fartamente gestado e literariamente escrito para que a causa seja vencedora”. Depois mudou de ideia.
O escritor afirmou então que Krenak “puxou seu tapete” ao oferecer sua candidatura à ABL. O autor de “Ideias para Adiar o Fim do Mundo” rebateu dizendo que nunca houve combinado algum com o colega. “Nunca fiz um trato com ele, sequer tomamos um café.”
Na mesma entrevista, Krenak demonstrou incômodo com a disputa, afirmando que só soube que sua candidatura para se tornar imortal estava sendo ventilada através da imprensa.
“Não estava no meu horizonte uma coisa dessas, estou desmarcando um monte de coisas para cumprir as burocracias e demandas da Academia sem sequer fazer parte dela.”
Os dois líderes indígenas, contudo, seguiram os ritos e burocracias internas da instituição e mantiveram suas candidaturas de pé até o final.