Uma pesquisa encontrou uma associação entre o diagnóstico de transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) em adultos com o maior risco de ter demência.
Segundo o estudo, adultos sem diagnóstico prévio de TDAH foram avaliados por aproximadamente 17 anos para o desenvolvimento de demência. Nos indivíduos que tiveram um novo diagnóstico de TDAH durante o período estudado, a incidência de demência foi de 13,2%, contra 7% daqueles que não tiveram o transtorno.
Ajustando para idade, gênero e outros fatores de risco para demência (como tabagismo e comorbidades), a razão de risco (HR, em inglês) de demência em pacientes com TDAH foi 277% maior comparado aos indivíduos sem a síndrome.
Os resultados do estudo, produzido em conjunto por cientistas da Universidade de Haifa (Israel), do Hospital Mount Sinai, em Nova York, da Universidade Drexel, na Filadélfia, do Centro de Pesquisas em Alzheimer, em Nova Jérsei (EUA) e do Instituto Karolinska, em Estocolmo (Suécia), foram publicados nesta terça-feira (17) na revista Jama Network Open.
A demência relacionada à idade é o principal tipo da condição neurodegenerativa, seguido por Alzheimer. É estimado que cerca de 6,5 milhões de americanos com 65 anos ou mais tenham demência, número que deve subir a quase 14 milhões até 2060, principalmente devido ao envelhecimento da população.
No Brasil, segundo dados apresentados no 1º Big Data Alzheimer, organizado pela Abraz (Associação Brasileira de Alzheimer) no mês passado, 1,7 milhão de brasileiros com 60 anos ou mais têm demência, dos quais quase 1 milhão são pacientes com Alzheimer.
Já a TDAH é uma condição com uma prevalência de aproximadamente 5% na população infantil, contra 2,5% a 3% em adultos. Porém, especialistas chamaram atenção recentemente em um estudo para as falhas no diagnóstico de TDAH na população adulta.
Há, contudo, diversos fatores de risco para demência que também são partilhados com TDAH em adultos, como depressão, hipertensão, baixa escolaridade e tabagismo.
Para mensurar a associação entre diagnóstico de TDAH e demência, os pesquisadores avaliaram 109.218 participantes, nascidos entre 1933 e 1952, de 1º de janeiro de 2003 a 28 de fevereiro de 2020 (a pandemia da Covid afetou o acompanhamento dos participantes após essa data). Pacientes que apresentavam diagnóstico de TDAH até o dia 31 de dezembro de 2002 não foram incluídos. O objetivo final do estudo era ter ou não diagnóstico de demência até o final do período de acompanhamento (17,2 anos).
Ao final do período estudado, 730 participantes (0,7% do total) foram diagnosticados com TDAH e 7.726 (7,1%) com demência. No grupo com TDAH, foram 96 casos de demência, o que correspondia a 13,2% do total de pacientes.
A taxa de demência por 10 mil indivíduos-ano (como é calculada a taxa ao longo do período de acompanhamento) foi de 5,19 no grupo com TDAH, contra 1,44 entre os indivíduos sem o transtorno. Considerando a razão de risco de demência, ela foi de 3,62 no grupo com TDAH (sem ajuste para as demais variáveis), contra 1 (valor de referência) nos indivíduos sem o transtorno. Ajustando para demais fatores, essas taxas vão para 2,77, no caso dos portadores de TDAH, e 1, para o grupo sem o diagnóstico.
Assim, os autores afirmam que a condição esteve associada a um risco pelo menos 2,77 vezes maior de desenvolver demência em comparação aos indivíduos sem TDAH. Segundo os pesquisadores, os resultados são similares a outros estudos epidemiológicos que buscaram analisar a incidência de demência na população, mas é único em apontar pela primeira vez a causa biológica que pode estar associada com essa condição.
Ainda de acordo com os autores, os processos cerebrais envolvidos no TDAH podem reduzir a capacidade natural neuroprotetora do cérebro na idade avançada. Tais mecanismos incluem, por exemplo, uma reserva protetora de massa cinzenta (responsável pela cognição) capaz de retardar o declínio cognitivo, reduzida em pacientes com TDAH.
A pesquisa possui algumas limitações, como observado pelos pesquisadores. Uma delas é que não havia informação sobre TDAH na infância no estudo, e isso pode ter um impacto no declínio cognitivo ao longo do tempo eles incluíram apenas adultos que não tinham diagnóstico prévio.
Outra limitação é justamente a dificuldade em diagnosticar corretamente TDAH. Isso impacta, principalmente, no tratamento, uma vez que poucos adultos (menos de 0,5%) com diagnóstico de TDAH têm prescrição de psicoestimulantes.
Por fim, uma quantidade considerável de adultos com TDAH durante o estudo fazia uso de psicoestimulantes (22%), mas eles não tiveram um risco aumentado para demência (razão de risco 1,51, mas com intervalo de 0,76 a 3, não sendo, portanto estatisticamente significativo).
Os autores defendem que a medicação poderia ser, na verdade, uma variável que acaba por influenciar o resultado da análise, mas ainda não se sabe se ela é uma associação causal forte. Além disso, os efeitos do uso prolongado de psicoestimulantes até uma idade avançada ainda não são claros, e isso precisa ser investigado melhor no futuro.
ANA BOTTALLO – SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS).