ANA BOTTALLO
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Uma pesquisa demonstrou pela primeira vez como uma simples troca na posição de itens em supermercados pode influenciar escolhas mais saudáveis dos clientes e aumentar o consumo de frutas e hortaliças em até seis porções extras por semana.
Dispor alimentos ultraprocessados e com excesso de açúcar e gordura, como chocolates, balas e outros doces no fundo das lojas e trocar por alimentos frescos na entrada das mesmas e nos corredores em frente aos caixas, elevou a compra destes últimos em até 10 mil unidades por semana.
Já a venda de doces e balas foi reduzida em até 1.500 unidades semanalmente.
O estudo, publicado na revista PLoS Medicine em setembro, trouxe pela primeira vez evidências de como o arranjo de produtos nas gôndolas de mercados levam a escolhas mais ou menos saudáveis pelos consumidores.
O experimento, conduzido por pesquisadores da Universidade de Southampton, analisou o consumo em seis lojas de supermercados populares no Reino Unido –três que receberam o “tratamento”, isto é, neles os alimentos ultraprocessados foram postos no fundo das lojas, enquanto frutas e legumes frescos e congelados passaram para perto dos caixas, e três do grupo controle, sem a mudança– em um período de seis meses.
Para eliminar efeitos aleatórios na pesquisa, os cientistas recrutaram 150 participantes, mulheres com idade de 18 a 45 anos, que possuíam um cartão de fidelidade nas lojas e sempre realizavam suas compras na mesma loja. A decisão de incluir mulheres na pesquisa foi principalmente por elas serem as principais responsáveis em um ambiente domiciliar pelas escolhas de alimento para os filhos e demais moradores.
O estudo apontou para o aumento da venda de hortaliças três e seis meses após a intervenção, representando um crescimento de 6.170 e 9.820 porções extras de frutas por loja por semana, respectivamente. Houve também a queda na venda de produtos ultraprocessados, de até 1.359 itens por semana, após três meses, e 1.575 itens por semana, após seis meses.
Os pesquisadores fizeram enquetes às voluntárias para saber a evolução da dieta familiar no início do estudo, após três e após seis meses. Segundo as participantes, o consumo de frutas e hortaliças aumentou em até seis porções por semana nos três meses seguintes ao começo do experimento, atingindo o seu pico em seis meses.
O aumento do consumo de frutas e hortaliças e a redução na compra de ultraprocessados não refletiram, porém, em maior gasto com as compras pelas participantes ou afetaram o caixa das lojas semanalmente. Assim, afirmam os autores, o estudo, apesar de ter limitações, é importante ao mostrar como uma estratégia simples e sem custo adicional aos mercados pode levar a uma dieta mais saudável.
A indústria alimentícia, em especial a voltada aos alimentos com baixo valor nutricional e com alto poder calórico, como os chocolates e balas, já sabe há anos do poder de sedução de embalagens chamativas posicionadas nas prateleiras em frente aos caixas de supermercado.
Mas, apesar de ser uma ideia já muito explorada do ponto de vista publicitário, não havia nenhuma evidência científica de benefício mútuo de retirada desses produtos da parte anterior das lojas e troca por alimentos mais saudáveis.
Para o psicanalista e professor do Instituto de Psicologia da USP Christian Dunker, pesquisas similares feitas nos últimos anos já têm avançado no conhecimento de como algumas estratégias específicas, como trilha sonora, aparência de vendedores e até a iluminação das lojas influenciam nas escolhas de consumo, e esse efeito é explorado pela indústria.
“Ao chegar em uma loja, o primeiro impulso é de não comprar o que está na entrada porque há um desejo de pesquisar, saber se é realmente o melhor preço, focar naquilo que veio comprar”, avalia ele, que é colunista do jornal Folha de S.Paulo.
“Mas na saída é o inverso, o consumidor começa a se indagar se não esqueceu de alguma coisa, com frequência temos a sensação de esquecer algo sem saber exatamente o quê, e é aí que estamos mais vulneráveis àquilo que estão nos oferecendo.”
No caso da pesquisa, diz, o impulso final de compra na fila dos caixas pode ser interpretado também como uma forma de corrigir um tipo de decepção que temos ao ter que passar pelo caixa e fazer o pagamento.
“O consumidor se indaga se fez o melhor negócio, se cumpriu o objetivo de preencher a dispensa, ele está em um estado de insatisfação, e é então saturado ao oferecerem um produto em regra mais barato e que pode ser considerado um agrado para uma pessoa querida, um familiar”, afirma.
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