Esporte, que periodicamente nos surpreende com o aparecimento de estrelas brilhando em eventos olímpicos e na International Tennis Federation – ITF, não arranca no Brasil. Hoje a coluna entrevista o tenista Chico Costa, nosso capitão da Davis, para entender um pouco mais os motivos de não sermos o país do Tênis.
A metodologia da entrevista sempre será a pergunta identificada com o P e a resposta com o R.
P1: Professor Chico Costa: por gentileza nos diga como o senhor começou a praticar tênis?
- Comecei a jogar tênis aos 12 anos, durante as férias escolares, em alguns finais de semana. Poucos meses depois, já com 13 anos, me matriculei na escolinha da Sogipa/POA e passei a jogar quase diariamente.
P2: Pode nos explicar como e o porquê de o tênis brasileiro não ser um esporte de fácil acesso?
R: O tênis é um esporte relativamente caro no mundo inteiro, mas no Brasil ele é extremamente caro, inacessível para mais de 90% dos brasileiros. Faltam quadras públicas, falta vontade política da Confederação e das Federações em viabilizar a inclusão de mais brasileiros no esporte.
P3: O tênis é um esporte olímpico e o Brasil, recentemente, nos Jogos de Tóquio 2020, conseguiu uma medalha inédita nas duplas femininas (com a dupla improvável formada por Laura Pigossi e Luisa Stefani.), em sua visão qual o motivo da falta de êxito no Tênis Olímpico brasileiro?
R: O Brasil nunca foi uma potência no Tênis, até porque o tênis brasileiro sempre foi elitista. Antigamente, restrito aos clubes. A partir do final dos anos 80, início dos 90, com o avanço do neoliberalismo, o “tênis negócio” cresceu, os clubes perderam espaço para as Academias privadas, e de lá pra cá esse “elitismo” só aumentou, inviabilizando qualquer ideia do tênis se tornar uma potência olímpica.
P4: O Brasil no Tênis é bastante inconstante. Tivemos a Maria Ester Bueno, primeira do ranking em 1959, depois voltamos ao primeiro lugar com o Gustavo Kuerten, nosso Guga, no ano 2000. O senhor poderia nos aclarar os motivos desta inconstância?
R: Todo o ecossistema do Tênis Brasileiro é direcionado para o lucro rápido, e quem consome o “Produto Tênis” é a minoria que pode pagar. Confederação e Federações, por serem as Instituições oficiais, deveriam servir de contraponto, mas fazem exatamente o contrário, elas participam do negócio. Então, ficamos reféns do surgimento de um “fora de série” como Maria Esther ou Guga, e que por trás desse grande talento, exista uma família bem estruturada, com muito dinheiro e alguma sabedoria pra investir certo. Não há no tênis brasileiro nenhuma organização – ou sequer a intenção – de se produzir bons jogadores em boa quantidade.
P5: Nosso Tênis juvenil é bastante vitorioso, mas na transição ao profissional encontramos sérios problemas. A que se deve esta dificuldade?
R:. Vencer no juvenil em nível internacional não é fácil, exige do atleta uma série de aptidões e um certo trabalho bem feito. Vencer no profissional é bem mais complexo, difícil, o processo precisa ser muito bem conduzido durante muitos anos. O brasileiro é imediatista, quer ganhar hoje pra já ter retorno financeiro amanhã. Jogadores e técnicos geralmente não tem a estabilidade e a continuidade necessárias pra se fazer o trabalho de médio e longo prazo bem feito. De modo que não nos falta informação, falta formação.
P6: Explique para nossos leitores o que significa ser capitão do Brasil, na Copa Davis; o senhor como ex-capitão da Davis?
R:. Fui convocado pra ser Capitão da Davis quando tinha 33 anos, recém havia parado de jogar e apenas iniciava minha trajetória como técnico. Foi algo inesperado, surgiu de repente, mas abracei 100% e dei o máximo. Foi uma experiência incrível, que me ensinou muito, e tenho certeza de que cumpri bem o meu papel.
P7: Como funciona o desenvolvimento de tenistas da base no Brasil?
R: Funciona como quase tudo no Brasil, de maneira atomizados, individual. Enquanto Capitão da Davis, tentei criar equipes de treinamento, de viagens para torneios, apoiei a ideia da criação de um CT nacional. Mais tarde, fiz parte do projeto Instituto Tênis, cuja ideia era justamente criar um ambiente sadio, de competição de alto rendimento, mas também de cooperação e trabalho em equipe, para que técnicos e jogadores pudessem crescer, se desenvolver com calma. Mas, cedo ou tarde, acabei sendo derrotado pelo Tênis Negócio, pela mentalidade tacanha de quem só consegue pensar em dinheiro, lucro rápido. Mas, parafraseando o eterno Darcy Ribeiro: “sinto apenas pena de quem me venceu”.
P8. Para finalizar o senhor poderia estabelecer um comparativo entre o tênis brasileiro e o europeu, o senhor mora atualmente na Alemanha.
R: Na verdade, moro na Alemanha desde setembro de 2021. A Europa é o primeiro mundo do Tênis, a maioria do top50 ou top100 são europeus. Por aqui, o Tênis Negócio também existe, afinal vivemos todos no Capitalismo, mas com duas diferenças importantes e decisivas: em primeiro lugar, o Tênis na Europa não é tão caro e restrito como no Brasil, ele é acessível para pelo menos 50% da população; por último, as Federações trabalham, se organizam, constroem estruturas, contratam técnicos, montam equipes, apoiam clubes e academias. Nem sempre o fazem da melhor forma, também cometem erros e sofrem críticas, mas pelo menos tentam cumprir o seu papel.
O tênis é tido como um esporte de elite e no Brasil sua prática se restringia a clubes, e a para quem pode pagar, como apontou nosso entrevistado; os materiais não são de baixo custo. A escola, local de excelência para o desenvolvimento da modalidade, ainda oferta muito pouco, falta formação continuada em tênis dos professores de Educação Física, e a iniciação ao tênis, que poderia ser feita adaptando as quadras poliesportivas, tampouco é realizada. Talvez, por isso tenhamos tão poucos atletas entre os melhores do mundo, e o surgimento de uma Maria Ester Bueno, um Guga Kuerten e uma Bia Haddad, para citar alguns, demoraram anos para acontecer.
Agradecemos pela brilhante entrevista do Professor Chico Costa, abordando aspectos mercadológicos, sociológicos e de administração esportiva. Auguramos muita sorte em sua carreira na Europa e sentimos sua falta na direção do tênis brasileiro.