A tendência de fixar regras sobre as relações afetivas, parentais e sucessórias via contratos, a guarda de animais de estimação e o oversharenting são alguns dos temas em alta no âmbito do Direito das Famílias e Sucessões. Luciana Musse, professora de Direito no Centro Universitário de Brasília (CEUB), destaca as tendências de 2024 para esse sistema jurídico comentando os impactos e fatores sociais, tecnológicos e legais motivadores.
Confira os comentários da especialista do CEUB:
Casamento entre pessoas do mesmo sexo – Apesar de já ter sido reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) desde 2011, o novo Código Civil poderá regulamentar o casamento entre pessoas do mesmo sexo, trazendo-lhes maior segurança jurídica.
Divórcio unilateral ou impositivo – O divórcio liminar põe fim, definitivamente, ao vínculo entre pessoas casadas. É um direito potestativo e incondicional, depende da vontade de uma das partes, cabendo ao outro aceitar a condição. Por isso, pode ser realizado antes mesmo da outra pessoa ter conhecimento da ação ou ser ouvida pelo Poder Judiciário. Esta modalidade pode ser simplificada da seguinte forma: “quando um não quer, dois não ficam casados”.
Alimentos compensatórios – Os alimentos compensatórios têm cunho indenizatório e objetivam o restabelecimento do equilíbrio financeiro entre as partes do processo. Esse equilíbrio pode ter sido rompido com o divórcio ou dissolução da união estável, em razão da pendência da partilha e da posse privativa de um dos ex-cônjuges ou ex-conviventes sobre o patrimônio comum, do qual desfruta com exclusividade dos frutos.
Contratualização no Direito das Famílias – Há uma tendência de fixar, cada vez mais, regras sobre as relações afetivas, parentais e sucessórias, via contratos de namoro e de coparentalidade ou contratos como instrumentos de planejamento sucessório, por exemplo. Tais contratos podem partir dos ciclos das relações: pré-nupciais, intramatrimoniais ou paramatrimoniais, pré-divórcio e pré-extinção da união estável ou, ainda, pós-divórcio e união estável, com questões patrimoniais e existenciais envolvendo o casal, os filhos e herdeiros.
(Over)sharenting – O (over)sharenting se refere ao excessivo, de publicar na internet conteúdo sobre os filhos, expondo-os a riscos e crimes no mundo real ou virtual, como pedofilia, estupro virtual, tráfico de pessoas, bullying e cyberbullying. Além de violar o direito de imagem, privacidade, intimidade e segurança desses menores de idade. Quando esta exposição passa a ter um caráter profissional e comercial, pode caracterizar uma exploração de mão de obra dos filhos por seus pais ou responsáveis.
Guarda de animais de estimação – A reforma do Código Civil poderá incluir o disciplinamento da guarda de animais de estimação em casos de divórcio ou dissolução de união estável.
Renúncia à herança pelo cônjuge – O novo Código Civil pode criar a possibilidade de cônjuges e conviventes renunciarem a herança deixada pelo marido ou esposa ou companheiro em caso de morte. Hoje, a Justiça costuma anular esse tipo de decisão, pois viola o art. 426 do atual Código Civil, que diz: “Não pode ser objeto de contrato a herança de pessoa viva”. A renúncia à herança poderá vigorar em pacto antenupcial ou em contrato de união estável.
Doação – A doação de bens entre pessoas, sobretudo cônjuges, conviventes e parentes vivos está em alta em razão do impacto da reforma tributária no imposto (ITCMD) que incide sobre essa transação e sobre (futura) herança. O ITCMD é estadual/distrital e suas alíquotas podem chegar a 8%. Há unidades da federação em que a alíquota é fixa, em outros estados e no DF, há uma progressividade. Com a reforma, o imposto será obrigatoriamente progressivo, com base no valor da doação ou herança de bens e direitos. Essa mudança tende a aumentar os gastos com o pagamento desse imposto.
Testamento Digital – O Projeto de Lei que altera o atual Código Civil traz a possibilidade de elaborar testamentos digitais, deixando a tecnologia acessível e inclusiva para pessoas com deficiências visuais, auditivas ou com dificuldade de locomoção, como pessoas idosas e com deficiência física, realizarem o procedimento remoto.
Herança Digital – A herança digital consiste no conjunto de bens e informações digitais, os ativos digitais, deixados por uma pessoa, após o seu falecimento. Ex: uma conta no Instagram com 1 milhão de seguidores. Embora já existam casos judicializados, no Brasil ainda não existe regulamentação específica. Dessa forma, o melhor a ser feito é resolver a sucessão digital em vida, compartilhando as senhas com alguém de confiança.