ADÃO RIBEIRO
– Doutor, se me der uma dentadura, eu voto no senhor.
– Nem tem dente e já quer me morder? E se eu te der a dentadura?
Essa é uma das histórias deliciosas contadas pela dona Zenaide, herdeira da marca, mas parceira de uma vida inteira de Wiegando Henke, o fundador da lendária Banca do Wiegando, em Paranavaí.
A empresa vai encerrar as atividades em dezembro e, por isso, nosso título, pois, de fato, a banca escreve os seus últimos capítulos. Criada em 1954, onde hoje funciona o ponto de táxi da Rua Marechal Cândido Rondon, o endereço de venda de publicações impressas está em sede própria desde 1967, na frente do Edifício Barão do Rio Branco.
A citação de abertura é um pequeno trecho de uma das milhares de conversas que Zenaide Elias de Almeida, 77 anos, presenciou vendendo jornais, revistas e livros no velho balcão de madeira de boa qualidade, que resiste ao tempo.
A conversa lembrada se dá entre um interlocutor anônimo e o advogado Waldenício Barbalho, militante na política paranavaiense e um dos melhores discursos já proferidos nesta terra. Fazendo um exercício de “eu acho”, com base no histórico do Doutor Barbalho, é possível que ele tenha dito ao cidadão sobre a importância do voto livre, para além das dentaduras e sapatões.
O ambiente era frequentado por outros políticos e empresários importantes, tais como Dionísio Dal-Prá, Wilson Fortes, Alencar Furtado e tantos que se informavam no início da manhã com as publicações da Banca do Wiegando.
O tema – Voltando ao nosso assunto principal, dona Zenaide diz que a construção da sede própria não foi fácil. A família teve que se desfazer de um Fusca zerinho para adquirir o terreno. O Fusca foi vendido a outro grande nome da história paranavaiense: coronel Rolim, na época ostentando a patente de major. Quando o terreno foi adquirido, Zenaide se lembra que, onde hoje está o Edifício Barão do Rio Branco, havia uma costureira.
Ao lado da costureira estava o Bar Continental, de propriedade de Deusdete Ferreira de Cerqueira, prefeito de Paranavaí de 2001 a 2004. Com mais de 90 anos de idade e muitas histórias, o hoje pecuarista Deusdete ainda está na ativa e, ao lado da dona Raquel, recebendo os amigos na sua famosa mesa de almoço na cozinha, com as devidas restrições por conta da pandemia. No terreno do velho bar do Deusdete está atualmente a já tradicional Ótica Pupila.
Olho na história – Mas, não percamos de vista que essa é uma história do Wiegando e sua família. Dona Zenaide reforça que muita gente importante frequentava a banca diariamente. Naquele tempo havia dois cinemas na cidade (cines Paranavaí e Ouro Branco). Antes ou depois do cinema, as pessoas passavam para tomar um sorvete na Adega Espanhola, jogar uma sinuca no Continental e, claro, se informar na Banca do Wiegando, onde era possível engraxar os sapatos.
Sim, a Banca do Wiegando era também uma engraxateria, onde homens iam aos sábados e domingos para um capricho no “pisante”, garantindo “boa figura” na missa dominical ou no passeio com a namorada. Sem falar que final de semana era tempo de baile e o sapato precisava brilhar no passo o dançarino.
Parcerias – A família representava, e ainda representa, importantes jornais e revistas, incluindo o Estadão e o Diário do Noroeste. Euclides Bogoni, fundador do DN em 1955, “batia ponto” na banca. Ele passava semanalmente, perguntava como estavam os negócios e se o povo estava gostando do jornal. O DN completou 66 anos no dia 23 de outubro. Seu fundador, Euclides Bogoni, faleceu em 22 de junho de 2016, aos 82 anos.
A banca é um negócio familiar. Dona Zenaide chegou a Paranavaí em 1960 e se casou com Wiegando quatro anos depois. Muito trabalho valeu a pena. Orgulhosa, a matriarca lembra que o filho Haroldo é engenheiro, casado com Thais e pai de Carolina, Camila e Lorenzo. A filha Márcia fez carreira na Fundação Bradesco, casada com o agrônomo Flávio e tem o filho Mateus, doutorando em Física, noivo da Laura (Os noivos estão de malas prontas para a França, onde Mateus fará um estágio). Dona Zenaide foi a responsável diretamente pela educação dos filhos, enquanto Wiegando focava nos negócios da tradicional empresa.
A sobrinha Neusa Lemes é outra pessoa importante nessa história, já que trabalhou na banca por cerca de trinta anos. O patriarca Wiegando Henke faleceu em 2008 e entrou para a história como um dos pioneiros de Paranavaí. Em justa medida, foi um comunicador atento, espalhando publicações e disseminando o bom hábito da leitura.
Saudade? Pode ser, mas dona Zenaide está contente, pois deu a sua contribuição para o desenvolvimento de Paranavaí. “Tive milhares de fregueses; fiz muitas amizades”, resume. Ela não pretende dedicar muito tempo para remoer as lembranças. Pelo contrário, quer viajar, estar com a família e aproveitar o justo fruto do seu trabalho.
Trabalho duro que se inicia às 6 horas e se estende até 18 horas de segunda a sábado. Aos domingos, um leve refresco, com expediente até 13 horas. Por isso, após os últimos capítulos, merece largar o despertador e acordar “na hora que bem entender”.
Vai manter as boas recordações. Flamenguista, Zenaide assistia ao duro clássico com o Vasco da Gama ao lado de Wiegando, o maior vascaíno fora de São Januário. As bandeiras do Vasco e do Brasil na parede da banca nos lembram essas verdades diariamente. Após a partida, independentemente do resultado, brindavam com uma boa cerveja, recorda Zenaide.
Tecnologia – A vida mudou bastante com o advento da internet. A tendência diminuiu o público em busca de livros e outras publicações. Quando do lançamento do Plano Cruzado em 28 de fevereiro e 1986, por exemplo, houve fila na frente da banca antes da abertura. Todos queriam jornais com informações. Algo semelhante aconteceu no chamado Plano Color, de 1990.
Ambos foram tentativas de estabilizar a economia, corroída pela inflação de quase três dígitos ao mês. Não deram certo, como se sabe. A estabilidade econômica veio com o Plano Real em 1994, quando o presidente era Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso o seu ministro da Economia. FHC se tornou presidente por oito anos, eleito pela primeira vez em 1994 e que governou por dois mandatos entre 1995 e 2002.
O maior sucesso da banca, no entanto, foi o álbum de figurinhas da Copa do Mundo. As crianças e familiares se revezavam na missão de comprar as figurinhas dos jogadores para completar o álbum. Foram muitas filas e muita gente curiosa para saber o que estavam “distribuindo” na banca.
Dicas de leitura – Dona Zenaide teve a oportunidade de ler muito. Tem amor pelos livros e admira a obra de Machado de Assis. Recomenda ainda para os jovens o clássico “A Moreninha”, de Joaquim Manuel de Macedo. E completa: “São tantos livros, leiam tudo”.
Enfim, mais do que uma reportagem, este texto trata de uma conversa leve e inesquecível com a gentil dona Zenaide. Tudo registrado na sexta-feira, 12 de outubro, 8h30 da manhã, com fotos de Ivan Fuquini. O sol brilhava, dia típico da primavera, anunciando o verão que é logo ali (21 de dezembro).
DETALHANDO
Quem foi Wiegando Henke
Nascido em Jaraguá do Sul, Santa Catarina, em 7 de agosto de 1926, Wiegando Henke chegou a Paranavaí na década de 1950, depois de passar por Londrina e Alto Paraná. Fundou a banca no ano de 1954 e acrescentou uma engraxataria, conciliando a venda de jornais e revistas com o serviço de engraxar sapatos. Na época a clientela era grande, pois Paranavaí não tinha asfalto. Os sapatos brilhando eram uma espécie de “cartão de visitas”.
No ano de 2002, Wiegando adoeceu e teve que tirar o “pé do acelerador”. Passou a frequentar a banca esporadicamente, mas não deixava de comparecer pelo menos uma vez por semana.
Durante tanto tempo viu veículos de comunicação surgirem e encerrarem as atividades. Viu o sucesso da “Revista Ilusão”, um recorde de venda que rendeu bons resultados financeiros. Era década de 1970. Na década de 1980 aumenta o interesse pelas publicações, o que consolida a banca.
Wiegando Henke vendeu textos, simpatia e amizade. Sem perceber e de forma gratuita, escreveu páginas da história de Paranavaí e da região, já que seus fregueses vinham de diversas cidades vizinhas. Suas páginas estão eternizadas, ainda que a banca baixe as portas. Quem passar na frente do Barão, verá a inscrição “Banca do Wiegando”, ainda que esteja escrito algo do tipo “financie na hora”.
(Texto com informações da matéria intitulada “O legado de Wiegando Henke, escrita por David Arioch, publicada pelo DN na edição e 20 de setembro de 2015).