NATHALIA GARCIA
DA FOLHAPRESS
O Copom (Comitê de Política Monetária) do Banco Central reforçou o consenso sobre uma atuação mais cautelosa na política de juros, mostrou a ata publicada nesta terça-feira (25).
Segundo o colegiado do BC, “eventuais ajustes futuros na taxa de juros” serão ditados pelo “firme compromisso” de levar as expectativas de inflação em direção à meta.
“Vigilante” e “firme” foram termos enfatizados no documento. Na última quarta-feira (19), o Copom interrompeu o ciclo de cortes de juros e manteve a taxa básica, a Selic, em 10,5% ao ano, em decisão unânime.
Houve consenso entre os quatro diretores indicados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) incluindo o diretor Gabriel Galípolo (Política Monetária) e o atual chefe da instituição, Roberto Campos Neto, considerado um “adversário político” pelo chefe do Executivo.
Para o comitê, o cenário de inflação se tornou mais desafiador, com aumento das projeções de médio prazo, mesmo condicionadas a uma taxa de juros mais elevada.
“Concluiu-se unanimemente pela necessidade de uma política monetária mais contracionista e mais cautelosa, de modo a reforçar a dinâmica desinflacionária”, disse.
Segundo o Copom, é unânime a avaliação de que se deve perseguir a convergência das expectativas de inflação em direção à meta independentemente de quais sejam os fatores por trás da piora das estimativas.
“O comitê avalia que a redução das expectativas requer uma atuação firme da autoridade monetária, bem como o contínuo fortalecimento da credibilidade e da reputação tanto das instituições como dos arcabouços fiscal e monetário que compõem a política econômica brasileira”, disse.
“O comitê não se furtará de seu compromisso com o atingimento da meta de inflação e entende o papel fundamental das expectativas na dinâmica da inflação”, acrescentou.
A meta de inflação perseguida pelo BC é de 3%, com intervalo de tolerância de 1,5 ponto percentual para mais ou para menos. Ou seja, o objetivo é considerado cumprido se oscilar entre 1,5% (piso) e 4,5% (teto).
A ata também mostrou que o BC elevou a estimativa de juro real neutro, para 4,75% (ante 4,5%, desde junho do ano passado). No debate, avaliou cenários com taxa neutra entre 4,5% e 5%.
A taxa neutra é aquela que não estimula nem desestimula a economia. Por ser uma variável “não observável”, há grande incerteza em sua definição. O próprio BC considera que ela não deve ser atualizada com frequência.
“Nas variações de curto prazo, costuma-se enfatizar movimentos de produtividade ou resultados fiscais, que impactam a poupança doméstica. Para as variações de longo prazo, destacam-se temas relacionados à demografia, à produtividade e à taxa de poupança global”, detalhou o Copom.
A elevação do juro neutro tem reflexo no impacto da política monetária sobre a economia. Isso significa que quanto mais alto o juro neutro, maior precisa ser a Selic no processo de combate à inflação.
O colegiado enfatizou que “a visão de que o esmorecimento no esforço de reformas estruturais e disciplina fiscal, o aumento de crédito direcionado e as incertezas sobre a estabilização da dívida pública têm o potencial de elevar a taxa de juros neutra da economia, com impactos deletérios sobre a potência da política monetária e, consequentemente, sobre o custo de desinflação em termos de atividade.”
No documento, o Copom utilizou quatro vezes a palavra “unanimamente”, reforçando o alinhamento dos membros do colegiado. Houve, contudo, divergência na discussão sobre o balanço de riscos para inflação e sobre a dinâmica da inflação de alimentos.
A decisão de manter o balanço simétrico (ou seja, com riscos para inflação em equilíbrio em ambas as direções) foi tomada pela maioria.
“De um lado, enfatizou-se que parte da assimetria altista relacionada à atividade [econômica] já havia sido incorporada no próprio cenário central, com a reavaliação do hiato do produto [diferença entre o crescimento potencial da economia e o efetivo]”, afirmou.
“De outro, expressou-se o receio que o hiato do produto continue mostrando resiliência, bem como de uma inflação de alimentos mais persistente nos patamares recentemente observados”, continuou.
Segundo o documento, alguns membros mostraram maior preocupação com a inflação de alimentos no curto prazo, destacando o efeito das enchentes do Rio Grande do Sul e também as revisões nos preços de alimentos em outras regiões.
Na avaliação do colegiado do BC, há grande incerteza quanto aos efeitos econômicos da tragédia no Rio Grande do Sul. Até a última terça (18), conforme boletim da Defesa Civil, houve 177 mortes em decorrência das chuvas no estado. Quase todos os municípios gaúchos 478 de 497 foram afetados, atingindo 2,4 milhões de pessoas.
“Permanecem incertezas sobre a intensidade da queda de atividade e sua recuperação subsequente, bem como sobre a diminuição do estoque de capital, causadas pelas enchentes e inundações”, ressaltou.
O Copom continuou demonstrando preocupação com a inflação de serviços e voltou a falar em surpresas na força do mercado de trabalho e da atividade econômica.
“Ressaltou-se a resiliência da atividade doméstica e a sustentação do consumo ao longo do tempo, em contraste com o cenário de desaceleração gradual originalmente antecipado pelo Comitê”, disse.
“Com relação aos dados na margem, por um lado, observaram-se novas surpresas altistas na atividade. Tais surpresas concentraram-se na formação bruta de capital fixo e no consumo das famílias, sustentado primordialmente pelo mercado de trabalho, benefícios sociais e pagamentos de precatórios”, acrescentou.
Quanto à questão fiscal, repetiu a mensagem já embutida no comunicado de que “uma política fiscal crível e comprometida com a sustentabilidade da dívida” contribui para manter a inflação sobre controle. Acrescentou que políticas fiscal e monetária em sincronia ajudam a garantir a estabilidade de preços.
Para o economista-chefe da XP e ex-assessor no Ministério da Economia, Caio Megale, o Copom tentou demonstrar que há coesão entre os membros do colegiado e transmitir uma mensagem “balanceada”.
“O Copom não está sinalizando alta de juros e também não está sinalizando que essa é uma pausa para depois retomar o ciclo de queda [da Selic] lá na frente”, afirmou.
Segundo ele, alguns elementos sugerem que o próximo movimento pode ser uma mudança no balanço de riscos com viés de alta de inflação. Citou, por exemplo, a discussão relacionada à ociosidade da economia, com a possibilidade de a diferença entre o PIB efetivo e o PIB potencial (hiato do produto) se tornar um choque inflacionário à frente.
Quanto à taxa neutra, Megale disse ter chegado a previsões ligeiramente mais elevadas ao incorporar o dado usado pelo BC. Para ele, esse é um indício de que o Copom não quer sinalizar altas de juros adiante.
A ata trouxe o cenário alternativo exposto no comunicado, contemplando a Selic constante em 10,5% no horizonte relevante (que inclui 2025) e que resultou na projeção de 3,1% para o IPCA em 2025 (ante 3,4% estimado no cenário de referência).
“Eles estão apostando em algum parâmetro de potência da política monetária um pouco mais forte do que o que temos”, afirmou.
Em sua leitura do documento, o economista considerou que o comitê evitou se aprofundar em discussões mais complexas, como a questão fiscal, para “não dar pano para manga” e minimizar ruídos.
Silvio Campos Neto, economista sênior e sócio da Tendências Consultoria, também ressaltou que demonstrações de maior harmonia marcaram o texto, com sinais de unidade em diversos trechos, procurando reduzir as incertezas com a transição no comando do BC no fim do ano.
Ele considerou que a ata reforçou diversos pontos que recomendam maior cautela. “Cabe notar também a ausência de abertura para uma eventual alta da Selic, algo que ainda é marginalmente precificado na curva de juros, mas que, por ora, se mostra como um cenário pouco provável”, complementou.