Julho é o mês em que, mundialmente, consumidores são incentivados a repensar o uso e o consumo de plásticos em suas rotinas. Enquanto cada habitante do planeta adere ou não à campanha de eliminar esses descartáveis de suas vidas, a indústria plástica segue com as turbinas ligadas a todo vapor, produzindo bilhões de itens de plásticos de uso único, como copos, pratos, talheres, canudos, embalagens, sacolas, sachês, entre outros. Baratos, leves e duráveis, esses itens, nascidos para atender à praticidade do corre-corre contemporâneo, tornam-se, minutos depois de serem utilizados, uma montanha de lixo sem chance alguma de retorno à cadeia produtiva.
Só no Brasil, o maior produtor de plástico da América Latina, são 15 mil itens de plásticos de uso único fabricados por segundo e somam, ao final do ano, 2,95 milhões de toneladas desses produtos. O fato é que grande parte desse montante não tem características adequadas para a reciclagem e acaba virando lixo e impactando o meio ambiente. E apesar dessa produção gigantesca, há muitas décadas, a reciclagem é apresentada como solução para lidar com o problema. Porém, a realidade é mais complexa: de todo o plástico já produzido no mundo, apenas 9% foram reciclados. A reciclagem faz parte da solução, mas sozinha é insuficiente.
“Temos, de antemão, conhecimento suficiente para saber que é um risco insistir em utilizar a durabilidade quase infinita do plástico na produção de itens descartáveis e, ao mesmo tempo, promover a reciclagem como ferramenta definitiva na solução do problema da poluição”, aponta o analista de campanhas da Oceana, Iran Magno,
A FARSA DO PLÁSTICO
Divulgado em fevereiro de 2024, o estudo A Fraude da Reciclagem de Plástico: Como as Grandes Petrolíferas e a Indústria de Plásticos Enganaram o Público por Décadas e Causaram a Crise dos Resíduos Plásticos, do Center for Climate Integrity, pôs por terra o discurso da reciclagem como solução para a crise mundial do plástico.
A partir de evidências reunidas em diversos documentos e correspondências internas entre os executivos dessas empresas, o relatório demonstra que, desde a década de 1980, o alto escalão das grandes petroquímicas, a exemplo da ExxonMobil, discutia entre si a inviabilidade do lixo plástico voltar à cadeia circular da produção. “A reciclagem não pode continuar indefinidamente e não resolve o problema dos resíduos sólidos”, disse um dos executivos durante uma conferência interna do setor.
Mesmo diante dessa premissa, as empresas seguiram com a alta escala de produção do chamado plástico virgem, que, na ponta da escala, vira lixo de alto custo para o meio ambiente, as comunidades e a saúde humana. Como estratégia de marketing, o estudo mostra que relatórios de sustentabilidade foram maquiados, colocando a reciclagem como uma solução, e seguiram com a tentativa – que dura até os dias de hoje – de convencer a sociedade de que ela funciona para reverter o problema da poluição plástica.
O estudo também destaca algumas limitações que indicam que apenas a reciclagem não será suficiente. Muitos produtos, especialmente os de uso único, não são viáveis ou economicamente atrativos para reciclagem. A enorme variedade de tipos de plásticos dificulta a separação adequada e a manutenção do grau de pureza do material. Por isso, muitos plásticos considerados tecnicamente recicláveis acabam não sendo reciclados, como é o caso das embalagens multimateriais.
No Brasil, a campanha Pare o Tsunami de Plástico, que já conta com mais de 80 organizações, nasceu para mobilizar o Projeto de Lei 2524/2022 (apelidado de PL do Oceano Sem Plástico), e trabalha para trazer soluções mais efetivas – que consideram a reciclagem como uma das ferramentas para lidar com os efeitos do problema, mas também olha para a regulação da produção.
O projeto, que está em análise na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado Federal, com relatoria do Senador Otto Alencar (PSD-BA), ataca a raiz do problema e propõe a redução da produção de plásticos problemáticos e desnecessários e, consequentemente, da quantidade de rejeitos plásticos que geram custos para as cooperativas e para a sociedade
Além disso, o PL reconhece o protagonismo de catadores e catadoras na gestão de resíduos sólidos nas cidades brasileiras, com sua inclusão no Programa Federal de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA), proporcionando uma remuneração justa pelo relevante trabalho que desempenham.
“O poder público precisa liderar o caminho para a transição para uma realidade onde não sejam mais produzidos plásticos desnecessários. Além disso, precisam assegurar que os itens plásticos produzidos pela nossa economia sejam de fato aptos à reciclagem, reuso ou sejam compostáveis, e que catadoras e catadores de materiais recicláveis sejam remunerados adequadamente pelo importante serviço que prestam a nossa sociedade”, defende Iran Magno.
CONHEÇA O PL 2524
O PL 2524/2022 foi construído de maneira coletiva e colaborativa, com organizações da sociedade civil, representantes de movimentos sociais e de associações das indústrias de materiais alternativos. Propõe que os itens de plástico produzidos no Brasil sejam recicláveis, reutilizáveis ou compostáveis.
Assim, os produtos descartados teriam características adequadas para retornarem à cadeia de produção e estabelecerem um sistema de economia circular efetiva ou, no caso dos compostáveis, que se decomponham como matéria orgânica e não virem impacto para a natureza. Ao focar na raiz do problema, o PL oferece uma solução eficiente no sentido de reduzir os resíduos plásticos que se acumulam em aterros e lixões, poluindo cidades, rios e oceanos.