Renato Benvindo Frata
Por fim, o último dia do mês, uma sexta apagada que se acenderá no sábado quando a encontrar.
Na fila do ponto, sorri, o envelope do pagamento dobrado no bolso, o diz. Em pouco terá se banhado, se trocado para na fila da banca de passagens comprar o direito de ver Ritinha. Respira e entra.
Na estrada, a fila dos carros que o ônibus respeita se mantendo à direita sem costurar pela esquerda na disputa das horas, tornadas sempre maiores com o trânsito fervente. E segue no galope da ansiedade a lhe cutucar entranhas já que o tempo disponível é curto, de poucas horas para fazer o tudo que imagina.
Sonambula de canseira mesmo estando sentado, é o pensamento que vai e chega nas asas dessa ansiedade embebida de saudade, até que dorme com a cabeça no encosto.
Lá pelas tantas e de corpo descansado, abre a cortina e olha.
Lá em cima o céu gazeteia a manhã de primeiros raios fosforescentes e ele sorri, passa as mãos nos olhos dormidos, engole a saliva grossa da madrugada varando estradas para fechá-los para melhor sonhar com ela, de novo e, mesmo acordado, mas na sonolência deliciosa dos cândidos galeares que o ônibus macio permite, zanza no recosto do banco azul.
Ritinha se fixa em suas pupilas internas, expõe as pernas morenas, macias, carnudas, sedentas como as mãos, como o corpo inteiro, com a boca a pedir afeto e ele se retesa, estica-se na convulsão que o fim do sono permite.
No outro assento, ninguém incomoda, de sorte que o banco por inteiro ganha o casal de um corpo presente apenas e outro que varia flutuando no espaço da memória. E vai nessa toada imaginativa até que a tosse alta de alguém o retira desse ameno torpor.
Abre os olhos de vez e sorri de novo: o dia amanhecera de todo mostrando que o sol brinca com o vento espargido em poeira nas casas, nas roupas dos varais, nas janelas que batem, nos portões largados abertos. Logo estará com Ritinha – pensa ensimesmado – e aí, bem, aí a doideira dessa distância estará amassada como papel na mão forte do mecânico ferramenteiro.
Ah! Ritinha… – suspira, – como a saudade é descarinhosa. Calcula as horas por meses, por dias, por horas e segundos a fabricar a cada pequena ausência, uma eternidade…
Adentra a cidade. As casas da periferia surgem mais perto e são feias como sempre no desalinhado das vielas, das ruas sujas e do charco, mas o ônibus avança, tange para os lados em quase rodopio para pegar a pista seguinte, a avenida de boas casas e vai com seu corpanzil ganhando o todo e lá, na beira da plataforma, ele a vê.
É uma figura pequena que sobre as pontas de pés tenta enxergar melhor e mais longe, procurando-o nas janelas. Sim, é ela com suas convulsões de desejo.
No avanço da condução que manobra no pátio, chega à proximidade, para e desce. É horas de partilhar também sua ansiedade cativada que virará abraços, beijos, enlaços de desejo amornado na satisfação do encontro mensal, e registrar como verdade o fato de que um fim de viagem além do alívio, produz conforto quando pelos olhos, o corpo consegue bem delinear o que se espera.
Texto brilhante! Consegue, com maestria, construir a sensação mencionada no título.