THAIS PORSCH
DA FOLHAPRESS
Nos últimos dois anos, o vírus H5N1, ou gripe aviária, provocou diversos surtos sem precedentes em mamíferos. Agora, uma pesquisa publicada na revista Nature mostra os efeitos da transmissão do vírus da gripe aviária de alta patogenicidade para o gado leiteiro.
Os dados epidemiológicos e genômicos revelaram a primeira transmissão eficaz de vaca para vaca depois de espécies aparentemente saudáveis de um grupo afetado terem sido transportadas para uma instalação em outro local dos Estados Unidos.
Os resultados demonstram o contágio do H5N1 de forma não tradicional, sublinhando a capacidade do vírus para atravessar barreiras entre as espécies.
No dia 1 de julho, o CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças) americano confirmou um caso de gripe aviária em um morador do Texas. Um ponto preocupante é que esse é o primeiro registro de contágio humano que resultou do contato com outro mamífero infectado – um gado – e não com uma ave.
Para além das consequências devastadoras para as espécies aviárias domésticas e selvagens, foram detectadas repercussões do H5N1 também em outras espécies de mamíferos, incluindo espécies domésticas e carnívoras selvagens, como gatos e raposas vermelhas. O vírus propagou-se mesmo em regiões polares, matando um urso polar no Ártico e pinguins-gentoo na Antárctida.
Esse estudo, assim como outros publicados este ano sobre o surto de infecção por vírus da gripe aviária de alta patogenicidade (HPAI) nos EUA desde 2021 trazem à tona algumas preocupações, explica Sigrid de Sousa dos Santos, diretora da SPI (Sociedade Paulista de Infectologia), dentre elas a evidência de adaptação do vírus H5N1 aos mamíferos e a possível transmissão entre as mesmas espécies.
PODEMOS ENFRENTAR UMA PANDEMIA DE H5N1?
Em seres humanos casos de gripe aviária são raros, mas há uma série ao longo das últimas décadas. Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), de 2003 até o final do ano passado foram 889 registros em 23 países. Não há registro de transmissão entre humanos, todos foram contaminados pelo contato próximo com aves infectadas e, agora, possivelmente pelo gado contaminado.
Porém, os casos recentes nos EUA realçam o potencial zoonótico do vírus, afirma Santos, que salienta a necessidade de medidas robustas de vigilância ativa para prevenir e controlar sua infecção e propagação.
“O CDC divulgou 11 casos humanos notificados desde 2021, quatro após exposição a vacas leiteiras e sete após exposição a aves. Dessa forma, o monitoramento da saúde do gado leiteiro e a pesquisa do agente em caso de adoecimento, morte ou diminuição da produção de leite seria uma possível estratégia de vigilância, além do controle de casos com georreferenciamento.”
A preocupação do CDC é alta devido à letalidade dos casos reportados nas aves. Por isso, o avanço da doença entre mamíferos, espécies biologicamente mais próximas dos seres humanos, causa preocupação de que, em algum momento, uma mutação possibilite que o vírus se adapte.
José Eduardo Levi, professor colaborador do laboratório de virologia do Instituto de Medicina Tropical e coordenador de pesquisa e desenvolvimento da Dasa, afirma que a adaptação para humanos é sempre o grande temor.
Isso pode acontecer com a adaptação de um animal mais próximo, como o porco ou o macaco, mas também por acaso com mutações e recombinações – como o caso da gripe suína (H1N1).
No caso dos riscos através do consumo de leite e carne crua, a pasteurização de produtos lácteos controla o risco de transmissão ao homem, explica Santos, mas há a possibilidade de transmissão pelo consumo de leite cru.
Em relação à prevenção, vacinas contra a gripe aviária em humanos estão em andamento nos EUA, Europa e também no Brasil, por meio do Instituto Butantan. O imunizante utiliza a mesma tecnologia usada na produção da vacina da influenza sazonal.
“É preciso criar estoques estratégicos caso necessário e, com o aumento de casos em uma dada região, um cinturão de proteção para que não aconteça uma pandemia como a da Covid”, afirma Levi.