Existência do Jesus histórico e não a de Jesus objeto da fé
Jesus existiu de fato? No aspecto religioso, não há dúvidas. Mas e o Jesus histórico? “O Jesus histórico não é o Cristo da Fé. E não se deve confundir a sua busca com estudos relacionados à história da teologia, nem mesmo à reconstituição do cristianismo primitivo”, destaca o pesquisador científico, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFFRJ), Hudson Silva Lourenço.
Ele explica que as pesquisas que procuram constituir a historicidade de um suposto profeta da antiguidade chamado Jesus, que teria vivido na Palestina do século I, têm por objetivo investigar também como um judeu-palestino, com as características físicas e comportamentais dos homens daquela região naquela época, foi capaz de alterar os rumos do seu povo e de grande parte da Humanidade sem recorrer à violência. Se letrado ou iletrado, se camponês ou revolucionário, se avesso ou partidário à Roma, tudo é historicamente possível, e nenhuma resposta definitiva ainda existe e não haverá.
“A tentativa de se constituir a historicidade de Jesus de Nazaré se dá no estudo do seu contexto social, cultural, religioso e político, com base em conceitos histórico-filosóficos específicos da época. E, sempre que possível, cotejados com fontes ditas não-cristãs provenientes da mesma época, vindas de outras partes do Oriente Médio e da Europa. Quando me perguntam sobre o objeto histórico que pesquiso, geralmente busco demonstrar a diferença entre a busca do Jesus histórico e a do Jesus Cristo, o objeto de fé. Ou seja, tento separar no plano teórico o físico do metafísico”, salienta.
Segundo ele, o Jesus histórico é um objeto de análise que começou a receber maior atenção das Ciências Sociais a partir dos anos 1980. O referencial teórico dessas ciências o situa no espaço e no tempo, e além disso a busca pelo seu conhecimento conta com um arcabouço teórico literário e religioso muito rico, e uma metodologia consolidada. “Estudar o Jesus de Nazaré requer, antes de mais nada, um olhar interdisciplinar”, escreveu em artigo publicado no The Conversation Brasil. Atualmente, conforme o pesquisador, a busca pelo Jesus histórico está na terceira etapa e foi iniciada a partir dos anos 1980. “É uma etapa de maior confiança na busca pelo conhecimento do Jesus de Nazaré. E segundo nossa perspectiva, essa afirmativa é justificável em dois pontos importantes: o primeiro tendo em vista os documentos descobertos em Quran [Manuscritos do Mar Morto encontrados nessa região de Israel], que foram a ‘estaca’ fincada em terreno científico que demarcou de fato a inserção de Jesus no seu próprio contexto judaico. O segundo ponto se resume na quantidade de dados que foram possíveis de serem alcançados com a pesquisa interdisciplinar, que conta com referenciais antes inexplorados e que foram surgindo cada vez mais, e agora marcam de forma significativa a terceira busca”, destaca.
Autores, como John Do- minic Crossan e John Piper Meier, exploram o tecido social da vida judaica na Palestina do século I a fim de conjecturar e observar de forma bastante particular o “mundo” terreno de Jesus de Nazaré para assim estabelecer tais aproximações no Jesus histórico. “A atenção ao contexto sócio-histórico de seu tempo é um ponto chave para reafirmar a terceira etapa; a questão da vida precária na Baixa Galileia também aparece pouco explorada.”
Para Hudson, falta uma discussão sólida acerca da “real” imagem – ou talvez a mais adequada – que se possa conjecturar de Jesus. “Eu me refiro, nesse caso, a um retrato discursivo, que conjectura traços fenotípicos, a suposta face, talvez a tonalidade da pele, a estatura, ou seja, a aparência de um judeu característico do mediterrâneo da Palestina do século I. E por que não agora, em época moderna, com todo o acervo bibliográfico interdisciplinar das ciências sociais, fornecer um retrato marginal (discursivo) do Jesus histórico?”, questiona. Há argumentos na linha de que que a discussão a respeito da tonalidade de pele de Jesus de Nazaré não seria relevante. O pesquisador, no entanto, res- salta que isso não quer dizer que ela não deva estar em pauta. “Mais que isso: trazer elementos que provoquem reflexões concretas sobre a aparência física do símbolo maior da doutrina cristã poderia estimular uma revisita mais fundamentada à questão. A fim de questionar e quem sabe reescrever as narrativas tradicionais, colonizadas e eurocêntricas que quase sempre retratam este palestino do século 1 que provocou a ira de Roma como um homem de traços delicados, cabelos lisos e claros, e olhos azuis.”