Não há comprovações históricas que apontem origens da crença
Conta a tradição que, guiados pela Estrela de Belém, três Reis Magos visitaram Jesus dias depois do seu nascimento trazendo presentes (ouro, incenso e mirra). A data ficou consagrada como 6 de janeiro, Dia de Reis, e também a data para desmontar o pinheiro de Natal e recolher a decoração. Não existe com exatidão histórica todas as datas que fazem parte do período Natalino, como o nascimento de Jesus em 25 de dezembro e toda a simbologia sobre o que isso representa.
O astrônomo, doutor em física teórica, autor de oito livros e hoje assessor no Instituto Fundação João Goulart, no Rio de Janeiro, Alexandre Cherman, comenta que a tradição cristã fixou datas e detalhes de eventos que não encontram comprovações histórias. Segundo ele, o 25 de dezembro veio emprestado de tradições antigas que celebravam o solstício de inverno no Hemisfério Norte, a noite mais longa do ano que marcava o início da nova estação.
Com a data do nascimento definida, outras ficaram amarradas. O início do ano foi fixado 1º de janeiro e aí entra o Dia de Reis. Eles, conforme o Evangelho de Mateus, visitaram Jesus no dia 6 de janeiro, primeiro ano da Era Cristã. “Não sabemos a data correta, também não sabemos quem foram esses reis. A única passagem da Bíblia que os menciona, o Evangelho de Mateus, na verdade não nos diz nem quantos eram. A dedução de que eram três fica por conta da inferência criativa de Orígenes de Alexandria, teólogo do século III. Ele supôs que, por terem trazido três presentes (ouro, incenso e mirra), os magos citados por Mateus eram três. Mas em nenhum lugar da Bíblia é dito isso”, afirma em artigo no The Conversation.
“Depois de Jesus ter nascido em Belém da Judéia, no tempo do Rei Herodes, chegaram a Jerusalém magos do oriente que perguntaram: ‘Onde está o recém-nascido rei dos judeus? Vimos a sua estrela no oriente e viemos adorá-lo’” Mateus, 2: 1-2
“Percebam que não há nenhuma alusão a quantos eram esses Reis Magos. Além disso, em nenhum lugar da Bíblia eles são chamados de “reis”. Essa denominação é bem posterior, do século VII provavelmente, por uma interpretação retroativa do Salmo 72: 10: “Os reis de Társis e as ilhas ofertaram presentes…”. Não eram três, não eram reis. E mesmo assim sabemos seus nomes: Baltazar, Gaspar e Melchior.”
E a Estrela de Belém? “A Astronomia tenta responder isso há séculos, sem sucesso. Há basicamente três possibilidades de eventos astronômicos que poderiam ser percebidos como uma ‘anunciação’, um augúrio. A Estrela de Belém poderia ser uma supernova. A Estrela de Belém poderia ser um cometa. A Estrela de Belém poderia ser uma conjunção planetária”, destaca.
Uma supernova é a explosão de uma estrela supergigante com uma massa equivalente a pelo menos cinco vezes a do Sol. É considerada a maior explosão que pode ser testemunhada por seres humanos e uma das maiores do universo. “Explosões desse tipo deixam restos, as nebulosas, e até hoje não foi encontrada nenhuma nebulosa remanescente de supernova que traga evidências de uma explosão desse tipo na época do nascimento de Jesus.”
Cometa é corpo celeste composto por gelo, poeira e rochas que orbita o Sol. Quando se aproxima do Sol, deixa uma cauda. “Cometas podem ser periódicos ou não. Se a Estrela de Belém tivesse sido um cometa periódico, provavelmente este cometa já teria voltado à nossa região e teríamos calculado a sua órbita. Não há cometa periódico que se encaixe nessa narrativa. Se fosse um cometa aperiódico, que passa apenas uma vez e nunca mais, deveríamos ao menos encontrar relatos em fontes científicas da época falando sobre o aparecimento desse objeto celeste. Nada disso foi encontrado.”
Já as conjunções planetárias ocorrem quando planetas de aproximam e podem ser vistos muito próximos um do outro no céu. “Em 1614, ninguém menos que Johannes Kepler (1571-1630) – astrônomo e matemático alemão que formulou as três leis funda- mentais da mecânica celeste que levam seu nome – defendeu que essa fosse a resposta. Kepler, porém, partiu de um conceito completamente equivocado, de que a conjunção planetária dos planetas Júpiter e Saturno seria capaz de criar um novo astro no céu. De fato, no ano 7 antes do suposto nascimento de Cristo, ocorreu tal conjunção. Mas sabemos hoje que nenhum novo astro é criado a partir disso. E, também, que essa conjunção em particular não foi exatamente espetacular. A distância angular entre os planetas era maior do que dois diâmetros lunares.”
Cherman não encontra uma explicação astronômica para a Estrela de Belém e formula outras hipóteses. “A citação a uma “estrela no oriente” pode simplesmente ser uma alusão à navegação astronômica. Para percorrer as grandes distâncias, os Reis Magos se orientaram pelo céu. O verbo “orientar” vem justamente do conceito de Oriente. Nessa época, a Astronomia e a Astrologia eram uma coisa só. Esses homens sábios do Oriente podem ter visto, em algum mapa astral de autoria própria, algo que interpretaram como um sinal. Um sinal astrológico vindo deles mesmos, no Oriente. Ou seja, uma estrela no oriente. E, por fim, essa estrela no oriente pode ser apenas uma metáfora, uma pincelada onírica trazida por Mateus”, conclui.