Iniciativa reúne a Promotoria de Defesa dos Direitos Humanos, a Universidade Estadual do Paraná e a Secretaria Municipal de Assistência Social
REINALDO SILVA
Da Redação
“Perguntei o que ele achava que era preciso para sair dessa situação. Ele respondeu: ‘Sabe que eu não sei?’. Percebi que ele não tinha perspectiva. Achei muito impactante. Isto é uma característica da situação de rua: tira a esperança, os sonhos, a individualidade.”
A declaração é forte e traz impressões da promotora de Defesa dos Direitos Humanos da Comarca de Paranavaí, Márcia Felizardo Rocha de Pauli, que participou do projeto de pesquisa “A invisibilidade da população de rua na cidade de Paranavaí: contribuições à sua desconstrução”.
Ministério Público, Universidade Estadual do Paraná (Unespar) e Secretaria Municipal de Assistência Social trabalharam juntos para ouvir aproximadamente 40 pessoas em diferentes bairros de Paranavaí.
Os pesquisadores levaram em conta aspectos individuais, como sexo, idade, existência ou não de vínculo familiar, renda, local de pernoite, fonte de alimentação, acesso a políticas públicas e episódios de violência. Os dados estão sendo tabulados e permitirão identificar o perfil de quem vive em situação de rua.
O passo seguinte será estruturar ações e sugerir políticas públicas que garantam condições mais dignas. Uma questão de cidadania.
Professora do Colegiado de Serviço Social da Unespar, Campus Paranavaí, Marília Gonçalves Dal Bello explica que o processo para levar a pesquisa às ruas levou aproximadamente seis meses, entre trâmites burocráticos internos da universidade, debates sobre as formas de abordagem com representantes da rede de proteção e a construção do questionário.
Na sequência, os pesquisadores concluíram o levantamento em dois dias, tendo visitado também instituições como o hospital Santa Casa, a cadeia pública e casas de recuperação. A expectativa é compilar todas as informações até janeiro de 2025.
CARACTERÍSTICAS – Até que o questionário seja definitivamente sistematizado, não é possível traçar o perfil exato da população em situação de rua, mas algumas características chamam a atenção da promotora de Justiça e da professora.
A partir das conversas, identificaram aspectos comuns, sendo os principais a pobreza extrema e a fragilização ou a perda dos vínculos familiares e comunitários. Grande parte vive em moradias com condições irregulares – casas abandonadas, barracas, marquises.
Há quem tenha receita financeira mensal, garantida pelo Bolsa Família, que é um programa de transferência de renda do governo federal. O valor repassado ajuda a pagar diárias em albergues e pensões, porém a preocupação com o uso do dinheiro recai sobre um problema social e de saúde pública: a dependência química.
DROGAS – A promotora Márcia Felizardo Rocha de Pauli revela outro caso que considera chocante.
“Uma das perguntas era ‘o que você faz para conseguir dinheiro?’. A resposta foi algo como ‘peço no sinal, faço algum tipo de trabalho’. A próxima era sobre quanto conseguia com esse trabalho. Ele respondeu: ‘Não sei dizer, porque se eu consigo R$ 10, compro drogas’. Então ele não sabia quanto recebia por dia. O objetivo era apenas comprar drogas.”
Marília Gonçalves Dal Bello complementa: “É, aí tem que pagar o traficante. O tráfico que manda e determina o que pode, o que não pode, as regras, a que horas… Tem muito essa relação”.
A interferência foi percebida durante a pesquisa, conforme aponta a professora. “Uma das preocupações era a vigilância que o tráfico faz. Os alunos [que participaram dessa etapa do projeto] contaram que foram seguidos.”
Não houve qualquer aproximação ou reprimenda, pois os acadêmicos estavam acompanhados da equipe de abordagem da Secretaria de Assistência Social, que tem fácil inserção na comunidade, graças ao trabalho executado diariamente. Mesmo assim, o medo os acompanhou enquanto concretizavam o levantamento.
INDICAÇÕES – A promotora de Justiça indica medidas que classifica como possíveis em curto prazo: disponibilizar um lugar para que as pessoas em situação de rua possam lavar as roupas; estender o horário de uso do banheiro social para o banho; e facilitar o acesso ao restaurante popular ou disponibilizar alimentação.
Num segundo momento, é essencial que o poder público elabore projetos e invista na construção de casas de passagem ou do chamado centro pop, unidade voltada exclusivamente a acolher essa população.
Essas e outras demandas serão apresentadas à administração municipal assim que os resultados da pesquisa forem conhecidos e guiarem a escalação das necessidades.
APOIO – Em agosto de 2024, os organizadores do projeto promoveram um evento para apresentá-lo à comunidade, alcançando mais de 80 pessoas dentro e fora do campus universitário.
A ideia de realizar a pesquisa surgiu de uma proposta da Promotoria de Defesa dos Direitos Humanos e atraiu o interesse da professora Marília Gonçalves Dal Bello. A partir da atividade de agosto, acadêmicos e docentes da Unespar ingressaram no projeto, que também tem a participação do curso de Psicologia da UniFatecie e do Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento da Política da População em Situação de Rua (Ciamp Rua).