Percorro-me da cabeça aos pés e, nesse espaço, faço meu mundo. O mundo mim, o mundo eu, o mundo meu.
Aqui tenho terra, tenho morros, água e céu com direito a sol e lua. Tenho estrelas e galáxias, nebulosas, às vezes, mas nada tão triste que não se possa dissipar. Tenho subidas, descidas, florestas – de pelos, está certo, mas florestas que me cobrem o tórax e a cabeça, as axilas, os genitais, coxas e canelas. Tenho côncavos e convexos, pirambeiras íngremes, desfiladeiros, lagos e charcos, riscos de rios, protuberâncias, espirais e mais: tenho tudo em sintonia musical, em uma dança melódica de tuntuns agitados, simétricos e sistêmicos, a nunca fugir do ritmo.
Percorro-me. Meus dedos são as solas, cinco de um lado e cinco do outro, nesse conjunto de dez que me percorrem entre o sim, o não e o talvez, e vão sem pressa, às vezes, em corridas, em outras.
Seguem sem a preocupação com o ontem ou com o amanhã, porque o importante é o hoje, o agora que faz o tempo, faz a hora, faz o acontecer. O resultado? Bom, o resultado é tão íntimo a constituir a essência que não ousarei revelar por uma simples razão: o cerne possui algo de sagrado porque é ali que mora o âmago e, como tal, é receita a ser consumida só por mim, mas digo que é bom estar de bem com ele.
O que procuro nesse caminhar?
Não sei, mas algo me impulsiona a que o faça. Silente e compenetrado, sob a chuva ou o sol, ou sob a lentura serenar, paro a refletir sobre a madrugada; aquele risco arqueado lá adiante que invade sem pedir licença o negror, e o afugenta aos poucos a abrir caminho ao dia. Ocasião em que paro e fico a abusar em círculos pequenos, passos curtos e precisos a mastigar o tempo. Aliás, intento que me leva a procurar estrelas em mim, como há as do céu. Aqui, ali e lá. Há estrelas em mim? Por certo haverá. Por que não haveria, se esse mundo sou eu? Apalpo-me e me sinto. Ando em mim.
Às vezes volto e refaço o caminho sem me preocupar com atalhos, mesmo porque não tenho pressa. Há um tempo só meu e nele eu comando os tictacs, lhes dando a velocidade ou o seu retardamento.
Sabe por quê? Aprendi que o tempo consumido comigo faz bem, e nem se compara àquele de duração relativa das coisas a criar no ser humano a ideia de presente, passado e futuro. O meu tempo só tem presente, como afirmado. Só o hoje, o agora, mesmo porque o passado se foi e o presente ainda o construirei, mesmo que a canivete, ou o amoldando suavemente como barro.
O modo eu escolho. Você também.
Aliás, nesse insólito solilóquio, posso afirmar que os homens estão mesmo a precisar de tempo exclusivo para si, e nele, torço para que o consigam gastá-lo a amoldar tanto a calma como a fé. Sob pena de ficarem a rodar o mundo como eu, com os dedos sambando a esmo pelo corpo.