País também evitaria, anualmente, o equivalente a R$ 2,1 bilhões em perdas de produtividade associadas às mortes prematuras. Economia potencial com a redução do consumo de álcool equivale a 58% do orçamento do Farmácia Popular em 2024
Se a população brasileira reduzir em 20% o consumo de álcool, 10,4 mil mortes poderão ser evitadas todos os anos. Isto significa evitar uma morte por hora no país, segundo o estudo “Estimação do Impacto de Diferentes Cenários de Redução do Consumo de Álcool no Brasil”, realizado pelo pesquisador Eduardo Nilson, da Fiocruz, a pedido da Vital Strategies e da ACT Promoção da Saúde, como parte do Programa Reset Álcool.
Ao preservar essas vidas, o Brasil também evitaria, anualmente, o equivalente a R$ 2,1 bilhões em perdas de produtividade associadas às mortes prematuras. Para se ter uma referência, essa economia potencial com a redução do consumo de álcool equivale a 58% do orçamento do Farmácia Popular em 2024, um dos principais programas de acesso a medicamentos no país.
“Os custos indiretos por mortes prematuras – de indivíduos com menos de 70 anos de idade – relacionadas ao consumo de álcool representam perdas econômicas associadas à interrupção precoce da vida de pessoas em idade produtiva. Isso inclui a perda de produtividade no trabalho, o impacto na renda familiar e na economia como um todo”, explica o autor do estudo, Eduardo Nilson, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde (Nupens/Universidade de São Paulo). “Em outras palavras, além de causar sofrimento humano, o álcool impõe um peso econômico significativo ao país ao afastar milhares de pessoas do mercado de trabalho antes do tempo”, segundo o pesquisador.
A decisão de focar o estudo considerando a estimativa de impacto de uma redução de 20% no consumo foi baseada no que está preconizado na segunda década da estratégia da Organização Mundial de Saúde (OMS 2022-2023). A organização recomenda “acelerar as ações para atingir reduções de 20% no consumo de álcool até 2030”.
“Mensurar e trazer visibilidade a esses impactos é especialmente importante em um momento em que o Brasil está prestes a colocar em pauta a definição das alíquotas do imposto seletivo sobre o álcool. Se forem estabelecidos percentuais suficientemente altos, será possível diminuir o consumo, nos aproximando da meta estabelecida pela OMS. Como consequência, podemos reduzir adoecimentos, acidentes, violências, mortes e sofrimento, além de aliviar todo o impacto negativo nos nossos sistemas de saúde, na previdência social e na economia como um todo”, explica Luciana Vasconcelos Sardinha, Diretora Adjunta de Doenças Crônicas não Transmissíveis da Vital Strategies.
Além de avaliar um cenário considerado o ideal por seguir diretrizes internacionais, o estudo também estimou a redução de mortes e do seu consequente custo por perda decorrente de mortes prematuras em um panorama mais conservador, de redução de 10% no consumo de álcool. Nesse contexto, seriam poupadas quase 5 mil vidas por ano, reduzindo as perdas econômicas em R$1 bilhão.
Mortes e custos atribuíveis ao consumo de álcool – O consumo de álcool é um dos principais fatores de risco para doenças crônicas não-transmissíveis, como doenças cardiovasculares e câncer. Segundo a OMS, o álcool foi responsável por 2,6 milhões de mortes em 2019 no mundo, o equivalente a 4,7% de todas as mortes globais naquele ano.
No Brasil, o estudo da Fiocruz, também com base em dados da OMS, estimou que que 102,3 mil pessoas morreram por causas atribuíveis ao consumo de álcool em 2019. Ou seja, são aproximadamente 12 mortes por hora. Estas mortes representam perdas econômicas na ordem de R$ 20,6 bilhões todos os anos, considerando apenas as perdas de produtividade geradas por todas as mortes prematuras. “Na próxima etapa do estudo, vamos atualizar nosso cálculo para incluir os custos diretos do consumo do álcool, ou seja, o valor gasto pelo nosso sistema de saúde” afirma o pesquisador Nilson.
“No primeiro estudo, feito em 2024, esses custos superam R$1 bilhão por ano, apenas com custos federais diretos com hospitalizações e procedimentos ambulatoriais no Sistema Único de Saúde (SUS). Com essa estimativa atualizada, também calculamos a possível economia para o SUS caso os cenários de redução de consumo de álcool de 20% ou 10% sejam colocadas em prática no país”, explica Nilson.
Metodologia – O estudo “Estimação do Impacto de Diferentes Cenários de Redução do Consumo de Álcool no Brasil” foi baseado em estimativas a partir de um modelo de análise comparativa de risco considerando os custos indiretos atribuíveis ao consumo de álcool no Brasil no ano de 2019, utilizando as prevalências de consumo de álcool pela população segundo sexo e grupo de idade e riscos relativos de meta-análises sobre a relação dose-resposta do consumo de álcool com diferentes desfechos de saúde. Todos os dados epidemiológicos, populacionais, de consumo e de custos foram desagregados segundo sexo e grupo etário (com faixas de 20 anos até maiores de 80 anos).
Foram consideradas as 24 doenças e mortes associadas ao consumo de álcool com uma relação dose-resposta entre a quantidade consumida de álcool e o risco relativo dos desfechos a partir de metanálises publicadas e utilizadas pelo estudo de Carga Global da Doença (GBD – Global Burden of Disease) e pela Organização Mundial da Saúde. Em conjunto com a prevalência de consumo de álcool para cada grupo de sexo e idade, foi estimada qual a carga atribuível para cada doença, segundo faixa de consumo de álcool, aplicada posteriormente para os custos por doença.
Para calcular o impacto da redução de consumo em dois cenários – 10% e 20% – com maior precisão, foram consideradas faixas de consumo que capturavam pequenas diferenças entre uma e outra. Ou seja, a primeira faixa começava reunindo grupos que consumiam 1g de álcool puro (etanol) por dia, e a cada faixa era acrescido mais 1g, completando 74 faixas de consumo consideradas. Com isso, foi possível considerar diferenças sutis de redução de consumo, permitindo calcular de forma precisa o que significaria reduções de 10% ou 20% em cada faixa e mensurar o impacto dessas mudanças em mortes e custos. “Ao definirmos os cenários de redução de 20% ou de 10%, consideramos variações como a de um indivíduo com consumo de 10g/dia que reduza para 9g/dia ou 8g/dia”, exemplifica Nilson.