IDIANA TOMAZELLI
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O Ministério da Economia deve barrar o plano de recuperação fiscal apresentado pelo Rio de Janeiro, após o estado descumprir exigências do programa de socorro federal e propor medidas de aumento de despesas.
Fontes do governo informaram à reportagem que Tesouro Nacional e PGFN (Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional) se posicionaram contra a homologação do plano, que incluía até mesmo reajustes ao funcionalismo estadual.
Já o Conselho Supervisor do RRF (Regime de Recuperação Fiscal), formado por um representante do Tesouro, um do TCU (Tribunal de Contas da União) e um do estado, votou pela aprovação com ressalvas.
Com dois pareceres contrários, porém, a Economia não terá como aceitar o ingresso do Rio de Janeiro no programa.
O decreto que regulamenta as regras do regime prevê que a Economia só pode dar o aval quando os pareceres são favoráveis, com ou sem ressalvas, o que não é o caso.
A equipe econômica ainda dará um prazo de dez dias para o Rio de Janeiro se manifestar em relação à posição dos órgãos federais, mas é pouco provável que o estado consiga corrigir todas as falhas nesse prazo.
Por isso, técnicos avaliam que a proposta deve ser enterrada de vez no Ministério da Economia. Nesse caso, ela nem sequer seria enviada ao presidente Jair Bolsonaro (PL), responsável pela homologação do plano.
A expectativa, porém, é que o governo do Rio de Janeiro não se conforme com o resultado e acabe recorrendo ao STF (Supremo Tribunal Federal) para permanecer com os pagamentos da dívida suspensos -expediente já adotado outras vezes.
O RRF é um programa de socorro desenhado para estados endividados. O Rio de Janeiro foi o primeiro a entrar, em 2017, e agora pleiteia nova adesão após mudanças das regras do programa.
Ao ingressar no regime, o estado tem alívio imediato no pagamento de dívidas com a União e outros credores, em troca da implementação de medidas de ajuste fiscal.
O governo estadual se compromete com a realização de concessões, privatizações e outras ações para melhorar a arrecadação e reduzir despesas. Ao mesmo tempo, precisa respeitar as vedações a criação de novos cargos, concessão de aumentos e elevação de despesas.
PLANO DE RECUPERAÇÃO
Desde seu ingresso no programa, o Rio de Janeiro já teve um alívio de R$ 92 bilhões em sua dívida, segundo cálculos internos do governo federal.
Ao mesmo tempo, foi alvo de 31 processos para apuração de irregularidades na execução do regime. Em três deles, as violações ficaram comprovadas, com impacto de R$ 4,5 bilhões devido a aumentos de despesa com pessoal da área de saúde.
Além disso, leis recentes concederam reajustes a servidores do Executivo, do Legislativo, do Judiciário e da Defensoria Pública. Uma resolução do TCE (Tribunal de Contas do Estado), por sua vez, aprovou uma verba indenizatória de R$ 12 mil aos conselheiros, o que na prática eleva o salário mensal de R$ 35 mil para R$ 47 mil.
No plano apresentado, o estado ainda prevê a concessão de reajustes salariais em todos os anos do regime de recuperação. Os porcentuais seriam de 5,8% em 2022, 3,5% em 2023, 3,25% em 2024 e 3% ao ano entre 2025 e 2030.
Por fim, na semana em que o governo federal concluiria a análise do plano de recuperação do Rio de Janeiro, o governador, Cláudio Castro (PL), anunciou em sua conta no Twitter um aumento das gratificações pagas a policiais militares e bombeiros do estado.
Castro, que assumiu o governo após o afastamento de Wilson Witzel (PSC), pretende concorrer à reeleição em 2022.
Na última quarta-feira (12), ele esteve no Palácio do Planalto para se reunir com Bolsonaro, que foi deputado federal pelo estado por sete mandatos.
Na ocasião, Castro disse ter apresentado argumentos ao presidente de que parte das medidas apontadas pela área técnica como violações já estava prevista no plano.
O governador também questionou as interpretações adotadas pela área técnica para criticar o plano de recuperação do Rio de Janeiro.
A reportagem apurou que uma das violações apontadas pela PGFN foi a manutenção do chamado triênio (adicional de salário a cada três anos de serviço) para servidores que já estão na ativa.
A lei do RRF prevê que o estado deve extinguir benefícios que já foram eliminados no serviço público federal, o que inclui os biênios, triênios, licença-prêmio e outros semelhantes.
A PGFN tem a interpretação de que o corte deve alcançar todos os servidores, inclusive os que já ingressaram na carreira.
A lei aprovada pelo Rio de Janeiro, no entanto, acaba com o benefício apenas para novos servidores, o que retarda o ajuste nas contas públicas estaduais.
“A Assembleia entendeu que o fim do triênio deveria ser só para os novos integrantes da carreira pública”, justificou Castro na quarta-feira. Para o governador, a lei do socorro federal “não é clara” sobre qual formato deveria ser adotado.
“Cada um fez uma interpretação, numa lei que abre brecha para os dois lados. São discussões sem dúvida menores, que não deveriam impactar na decisão de o Rio de Janeiro entrar ou não no regime”, afirmou.
Na União, porém, a extinção dos adicionais de salário atingiu os servidores que já estavam na ativa. Os valores já incorporados à remuneração foram mantidos, mas nenhum novo aumento por tempo de serviço foi concedido.
O mesmo foi feito pelo estado de Goiás, que precisou aprovar a medida para ingressar no RRF e já teve seu plano homologado por Bolsonaro.
No governo federal, a avaliação é que o plano do Rio de Janeiro oferece grandes riscos à União, que pode acabar assumindo o custo do socorro ao estado.
Ao mesmo tempo, sua eventual manutenção no regime é considerada uma afronta a outros estados, como Goiás e Rio Grande do Sul, que têm adotado medidas de ajuste para manter os benefícios do plano.
A interpretação de técnicos é que, sem medidas de ajuste do Rio de Janeiro, o governo está simplesmente doando recursos a um estado que tem se esforçado pouco para reequilibrar suas contas.
Em dezembro de 2020, por exemplo, a União honrou R$ 4,7 bilhões que o Rio de Janeiro evia ao BNP Paribas, referentes a um empréstimo contratado em 2017, logo no início do regime de recuperação fiscal.
O contrato tinha as ações da Cedae (Companhia Estadual de Águas e Esgotos) como contragarantia -o que assegurava ao governo federal o direito de federalizar a estatal em caso de inadimplência.
Em 2021, o estado embolsou R$ 18,2 bilhões com o leilão de concessão da Cedae, mas não ressarciu nenhum centavo à União. O governador quer usar o dinheiro para investimentos. A AGU (Advocacia-Geral da União) ingressou no STF pedindo o bloqueio dos valores, mas ainda aguarda decisão.
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