Escritor e jornalista participa do Paraíso do Rock com lançamento de “A Culpa é do Lou Reed” e pré-lançamento da biografia de Luiz Gonzaga
Cibele Chacon
Da redação
O som do rock vai se misturar à literatura em Paraíso do Norte. No próximo dia 16 de outubro, às 19h, a Casa de Cultura recebe o escritor e jornalista Jotabê Medeiros, uma das vozes mais respeitadas do jornalismo cultural brasileiro, para um encontro que promete ser tão instigante quanto poético.
Com sua escrita que combina apuro jornalístico e lirismo de cronista, Jotabê traz ao evento o lançamento de “A Culpa é do Lou Reed”, obra em que revisita, com olhar afiado e pessoal, as relações entre música, arte e comportamento. Na mesma noite, fará também o pré-lançamento da aguardada biografia de Luiz Gonzaga, ampliando o repertório que já o consolidou como biógrafo de nomes fundamentais da música brasileira, como Belchior e Raul Seixas.
Mais do que lançar livros, a presença de Jotabê é um convite à reflexão sobre a força da música como linguagem que rompe fronteiras e atravessa gerações. Paraíso do Norte terá, por algumas horas, um palco de ideias, onde o rock se encontra com o baião, e a memória se transforma em literatura.

O escritor conversou com exclusividade com o Diário do Noroeste sobre música, literatura e os desafios da cultura no Brasil.
Seu livro “A Culpa é do Lou Reed” parte de uma figura icônica do rock para pensar o Brasil e nossas contradições culturais. Por que Lou Reed, e como ele se tornou um fio condutor para essa reflexão?
A questão sobre o Lou Reed, ele não é um personagem central do livro. Na verdade, ele é só um pretexto de um dos críticos, porque são vários críticos que são retratados na história, críticos dos anos 80, e um deles usa o Lou Reed como um argumento, um pretexto para discutir um tipo de pertinência da música moderna. Então, na verdade, o Lou Reed é mais uma estratégia, digamos assim. Embora ele não seja o centro da história, eu assisti e cobri como jornalista todas as turnês dele. Eu acredito que o Lou Reed é, para a história da música moderna, um dos personagens mais importantes. Ele é, não só com a banda dele, o Velvet Underground, mas também como um cara que aproximou as estratégias da cultura de massas, de um certo refinamento da música de vanguarda também, e também tem uma atitude dele, uma postura muito relevante, de anticomercial, de independência absoluta. É um dos caras mais influentes da história do rock.
Você também traz para o público o pré-lançamento da biografia de Luiz Gonzaga, um artista que representa o Brasil profundo. Como foi mergulhar na vida de alguém tão monumental para a nossa cultura popular?
O Luiz Gonzaga é meio que o desembocadouro natural das minhas biografias, porque todos os personagens que eu biografei tiveram o Luiz Gonzaga como referência. Mesmo o Roberto Carlos, embora as pessoas possam não saber, mas o Luiz Gonzaga foi um artista de rádio muito importante, influente nos anos 30 e 40, especialmente anos 40 e 50. Ele foi importante e teve programa na Rádio Nacional. E o Gonzaga, o próprio Roberto Carlos dizia, foi um dos personagens que aproximou ele da música brasileira mais profunda, assim como também Belchior. Então, só por aí você já tem uma ideia da importância desse personagem. Ele é provavelmente o músico, o personagem, o artista da música brasileira mais importante do século XX, apesar de ter as controvérsias em termos da postura política. Tudo isso eu trato no livro, então, como eu estou indo para o Paraíso [do Rock], eu pretendo abrir lá as minhas conclusões. O livro ainda só chega no começo do ano que vem pela Todavia Livros e está em processo ainda de edição, mas eu pretendo que ele seja tenha um gostinho de avant première lá no festival.
O que mais te surpreendeu na pesquisa sobre Luiz Gonzaga que talvez o grande público ainda não conheça?
São várias coisas que são inéditas sobre Luiz Gonzaga, mas eu acho que uma das coisas que vai chamar a atenção das pessoas é que ele foi considerado – para você ver a abrangência dessa figura – como comunista. Ele foi fichado como comunista pelo governo de Getúlio Vargas e depois foi taxado de reacionário pelo Centro Popular de Cultura, o CPC. Chegou a viver uma espécie de ostracismo por causa da proximidade dele com algumas figuras militares, do governo militar. Então, essa gangorra ideológica mostra a riqueza do personagem, na minha opinião. São muitos Luiz Gonzaga que a gente vai conhecer.
Luiz Gonzaga quebrou barreiras regionais e levou o sertão para todo o país. Como você vê a atual presença da música nordestina na cena nacional em relação ao seu tempo?
Luiz Gonzaga, na música nordestina moderna, deu régua e compasso, como diriam os tropicalistas. Deu régua e compasso para Gilberto Gil, depois para Chico Science. Acho que não há nenhum personagem da música nordestina moderna que não tenha Luiz Gonzaga como referência. De Alceu Valença aos grandes roqueiros, como Lúcio Maia e o pessoal do Nação Zumbi. Todos eles foram influenciados por Luiz Gonzaga.
Você já escreveu sobre nomes tão distintos quanto Belchior, Raul Seixas, Roberto Carlos e agora Luiz Gonzaga. O que une artistas aparentemente tão diferentes?
Além desses personagens que você citou, que são o Belchior, Roberto Carlos e Raul Seixas, eu também escrevi sobre meu próprio pai, que esse é o livro mais artesanal de todos, que se chama O Último Pau de Arara, que é uma biografia. Meu pai é paraibano, eu também sou paraibano, e essa trajetória dele da Paraíba até o Paraná, onde ele se estabeleceu com a família, é tratada nesse livro. Então, eu costumo dizer o seguinte, que cada livro que eu fiz eu ouvi muitos discos. Todos os discos de Roberto Carlos, todos os discos de Raul Seixas, todos os discos do Belchior. E para escrever sobre o meu pai eu ouvi o coração. Todos os corações da família que é muito grande. Muitos irmãos, são 15 irmãos.
Em um contexto de conservadorismo crescente, como você percebe o papel da música em tensionar, provocar e resistir?
Basicamente, a gente viu agora na recente manifestação contra a “PEC da bandidagem”, essa proposta de imunidade para parlamentares que inclui crimes hediondos, essa proposta que chegou a passar por grande maioria no Congresso, na Câmara dos Deputados, foi derrubada por um ato que reuniu basicamente, essencialmente, os grandes astros da música brasileira. A gente viu novamente, depois de 60 anos, reunidos Caetano Veloso, Gilberto Gil, Chico Buarque, Paulinho da Viola, Djavan, todos em palco contra a violência e o autoritarismo. E eles sabem que o autoritarismo se manifesta de diferentes maneiras. É muito interessante que eles tenham se tocado disso de novo, feito um esforço monumental para poder colocar em marcha a população brasileira contra as coisas que pretendiam fazer a nossa democracia degringolar.
Escrever biografias de músicos é também lidar com memória e afetos coletivos. Como você equilibra a pesquisa rigorosa com a emoção inevitável que esses personagens provocam?
Em geral, a questão da emoção da biografia consiste nas descobertas. A gente, às vezes, entra numa biografia para fazer, começa o trabalho com uma ideia pronta do que seja aquele personagem. Às vezes é um ídolo, às vezes nem é um ídolo, mas você aprecia a música dele. E aí quando você começa a pesquisar, que você se defronta com os afetos deles, com as ex-namoradas, com as rupturas familiares, você encontra as pessoas que foram eventualmente magoadas ou então que foram salvas pela ação desses personagens. Isso tudo é muito emocionante. Na verdade, você mergulha na vida de uma pessoa e isso nunca é uma coisa da qual se sai incólume.
O Paraíso do Rock é um festival que valoriza música, literatura e memória cultural fora dos grandes centros. O que representa para você estar nesse espaço, dialogando com esse público?
Eu cresci no Paraná. Cresci em Cianorte, onde morei até os 15 anos. Parte da minha consciência do mundo foi gerada nesse ambiente. Então, quando eu fui para o primeiro Paraíso do Rock, eu sabia precisamente o nível de insistência, de heroísmo que movia aquela iniciativa. Porque a verdade é a seguinte: culturalmente, as cidades do interior, especialmente no interior do Paraná, estão muito voltadas para a produtividade. Os jovens sofrem muito com isso, muito voltadas para o êxito. E a música, o teatro, a literatura, elas não têm isso como parâmetro de existência. A criatividade é o parâmetro, o prazer, a fruição, a mágica da criação artística. Então, quando eu vi esse festival imediatamente tocou meu coração porque é uma coisa que eu sei que se insurge contra a realidade do agronegócio, a realidade da música sertaneja. Não estou falando mal dessas coisas, estou dizendo que isso é uma característica local. Então quando é feito esse tráfego de cultura ao festival, trazendo bandas do Mercosul, bandas da América Latina, bandas do nordeste do Brasil, não tem preço. É muito importante o que o Beto Vizzoto tem feito, movido apenas pelo próprio entusiasmo, pela própria vontade.