FERNANDA BRIGATTI
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Quando chegou à confecção em que trabalha, no último sábado (22), Mariana ouviu de um superior que deveria manter distância de uma colega. A mulher, disse ele, está com Covid-19, confirmado por um teste rápido de farmácia feito dias antes.
Afastada durante a semana, quando a lotação do espaço é maior, a funcionária contaminada pelo coronavírus foi chamada a repor a produção no fim de semana.
A decisão temerária da confecção resultou em pelo menos mais três infecções pelo vírus confirmadas e outros quatro casos suspeitos.
“Estou desde sexta-feira com dor no corpo, náusea e quase sem voz. Soube na segunda que mais quatro pessoas estão com suspeita de Covid e estão trabalhando. Ainda não sei o que fazer”, diz Mariana. Ela, como outros trabalhadores citados nesta reportagem, pediu para ter o nome preservado, pois ainda é funcionária da empresa.
A nova onda de contaminações por Covid-19 impulsionada pela variante ômicron vêm deixando desfalcadas empresas em diversos setores. Com a gravidade menor das infecções, o tempo de isolamento caiu de 14 dias para 10 dias, mas a obrigação de afastar todos aqueles que estejam contaminados ou com suspeita de contaminação continua valendo.
A regra é essa, mas o que trabalhadores de diversos setores relatam são pressões para evitar atestados, para antecipar retornos e até para continuar trabalhando, mesmo contaminados, uma vez que os quadros são mais leves.
Além disso, patrões se recusam a pagar pelos testes, segundo os empregados.
“Estamos cercados de casos positivos. O que importa é que, independentemente de não haver tantas internações ou óbitos, a primeira obrigação do empregador é cumprir a lei”, diz o procurador-geral do trabalho José de Lima Ramos Pereira.
“A relação trabalhista tem direitos e obrigações do empregador, e uma delas é manter o ambiente saudável e seguro.”
Na fábrica em que Regina trabalhava -ela pediu demissão-, foi o dono da empresa quem apareceu para trabalhar com Covid-19. Dias depois, quatro pessoas manifestaram sintomas e foram afastadas pelo médico do trabalho.
Aqueles que, dias depois, descobriram resultados negativos em seus testes, tiveram os dias de afastamento descontados.
Na loja em que Juliana está empregada, a ameaça chegou em tom de brincadeira. Uma gerente avisou à equipe que se mais alguém aparecesse doente, todos “ajoelhariam no milho”. A vendedora calcula que mais da metade da equipe de 30 pessoas esteja afastada atualmente.
Somente no setor em que ela atua, três, de cinco, estão com Covid-19. No cadastro, somente dois, entre oito funcionários, ainda estavam trabalhando na última semana.
Na terça (25), o governo Jair Bolsonaro (PL) formalizou a atualização das portarias 19 e 20, que estabelecem um conjunto de medidas para prevenção, controle e mitigação dos riscos de transmissão.
A mudança central foi a redução no tempo de isolamento obrigatório e a possibilidade de os funcionários retornarem antes ao trabalho.
Na volta antecipada, o afastamento ainda precisa ser de pelo menos sete dias para os casos assintomáticos.
Enquanto cumpre a quarentena, o trabalhador continua recebendo a remuneração e não pode ter os dias descontados.
O chefe do Ministério Público do Trabalho diz que o descumprimento das medidas de segurança no enfrentamento à crise sanitária tem sido tratado com prioridade pelos procuradores do trabalho.
As empresas podem ser responsabilizadas judicialmente na esfera cível pela exposição dos trabalhadores ao risco.
Ele também recomenda que os trabalhadores denunciem os casos de violação de direito. A formalização das reclamações pode ser feita por qualquer pessoa que tenha conhecimento do assunto e não precisa obrigatoriamente partir de um funcionário da empresa.
“No mundo perfeito, o trabalhador comunica a contaminação ou a suspeita ao RH ou ao departamento médico, manifesta o desejo de fazer o home-office, nos casos em que isso é possível. No mundo real, esse trabalhador fica sob risco de ser dispensado”, afirma o chefe do Ministério Público do Trabalho.
Além do próprio MPT, as denúncias podem ser feitas à fiscalização trabalhista, hoje novamente ligada ao Ministério do Trabalho e Emprego, e nos sindicatos de trabalhadores dos setores.
Para o advogado trabalhista Luiz Guilherme Migliora, do Veirano, a atualização das portarias foi um avanço em relação à norma anterior, que previa 14 dias de afastamento.
Com o alto percentual de adultos vacinados, o período agudo de contaminação tem sido menor, gerando uma onda de casos mais leves e de ciclos menores.
Mesmo que seja por menos tempo, a empresa ainda é obrigada a afastar o trabalhador nas três situações previstas pelas portarias do governo: com suspeita de Covid-19, com a contaminação confirmada por teste ou que tiveram contato com alguém com a doença (e que, portanto, são enquadradas como casos suspeitos).
“A empresa fica sujeita à fiscalização e pode ser multada, mas o mais grave é o risco de contaminar uma outra pessoa e o caso se agravar, o que pode resultar em dano moral coletivo”, afirma.
Para Alvaro Furtado, presidente do Sincovaga (Sindicato do Comércio Varejista de Alimentos), a atualização das portarias traz insegurança jurídica para as empresas.
Ele considera que o tempo de afastamento deveria ser decidido caso a caso, por um médico. “Dez dias parece um parâmetro aleatório. As empresas não têm condições de definir isso”, afirma.
“Além disso, a portaria não trata de vacinação, exigência essa assegurada até pelo Supremo Tribunal Federal”, acrescenta.
O dirigente do sindicato patronal afirma que as empresas tentam equilibrar o cumprimento dos protocolos com a viabilidade dos negócios, e admite que, no dia a dia, podem ocorrer desvios. “Mas não é essa nova recomendação.”
Segundo o advogado do Veirano, o tempo de afastamento previsto nas licenças médicas é superior ao que foi definido na portaria.
Se o médico definir um prazo maior ou menor de afastamento para um trabalhador, esse é o intervalo a ser seguido.
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