Renato Benvindo Frata
Escrevi no quadro negro da tristeza que daquele instante eu seria outro: sorriria com os olhos se os lábios, emperrados na amargura, não ajudassem. Quando a testa franze e a boca se fecha, sorrir com olhos é uma saída. E ao fazê-lo estarei como a mulher – qualquer mulher – que é fraca e forte e que sorri enquanto sua “alma se estorce amargurada,[1]” e segue altiva sobre saltos a se dizer bela, a se mostrar e a se sentir como tal; a força que lhe dá a performance brota onde nascem os sentimentos e se gadanha no espaço que a coragem constrói. Deve ela ser copiada, absorvida e usada, já que para lhe descobrir os sentimentos, basta que olhemos em seus olhos. Se estiverem brilhantes como sol estará feliz, se não, como não existe meia-felicidade, sorrirá com eles marejados em opacidade.
Pois escrevi dessa maneira com o giz da consciência fincando uma a uma as letras na lousa e vi, depois, que deixei ali na decisão uma confissão desenhada pela dor e sofrimento da qual nunca havia assumido. Não sabia que a coragem da confissão eleva o valor do testemunho e que as palavras grafadas, via de regra, seriam um alerta só meu, feito para meu eu de olhaduras de queijo embolorado, que servirão para quando nesse quadro voltar a pousar os olhos, comprovando que a decisão de não sofrer foi um dia tomada. E por que a tomei?
Pela tristeza, por causa dela que compõe rostos tristes, macera-os, carcome-os com carquilhas, riscam semblantes em acinzentado. Não, não mais lamentarei o passado que é irmão da tristeza. Esse não mais me morderá por dentro, não deixará machucaduras ou cicatrizes, nem me arrancará tremores ou suores. Não deixarei que escarafunche o ontem ou que se alimente da própria comida. A partir dessa decisão o deixarei no pó da longa estrada a quem chamo esquecimento para que fique largado num canto qualquer do coração. Será uma rastejante vaga que não fere a areia; alisa-a para que a água da realidade passeie solta nos pensamentos a determinar o fim da tortura.
E uso aqui, nesse fim de decisão, um ponto final do recomeço a determinar o espantar do lamento, o esquecimento de noites desdormidas que esgarçam quereres, impedem afazeres e infundem pezares…
Mas… sempre existirá um mas… conjunção ou restrição que vem contra o que se afirma. Tudo não passou de um conto de fadas – um sonho que trouxe a vontade do esquecimento nas mãos formatadas em pétalas, mas que em gestos ondulantes se quebrou no crepúsculo da realidade.
Não se consegue espantar o lamento que o passado produz, nem transformar saudade em tênue lembrança: é como cinza que guarda a quentura, a ardência da brasa que o vento sopra desnundando o hoje, o que me leva dizer que contra a tristeza sim, se pode e se deve sorrir com os olhos, lábios e tez dando à feição a melhor aparência.
Mas é de se saber, porém, que seu efeito contra o ontem terá efemeridade de flor de mandacaru que se abre pomposa maravilhanda à lua, mas que desfalece rapidamente perante a inclemência do sol da manhã.