Renato Benvindo Frata
À noite, às vezes, acordo pela metade e, só com um olho aberto, vagueio pensamentos enquanto o outro, fechado, sonha de verdade. No maior silêncio, vejo coisas na penumbra ou imagino-as enquanto lhes dou forma. Deixo-as circulares, hexagonais, poligonais, multifoliadas, espicho-as para encolhê-las depois. São sombras que a noite põe dentro do quarto e que se mexem nas paredes conforme o vento bole nas plantas, lá fora. Desenham coisas belas e outras nem tanto, mas só o fato de desenharem para apagarem em seguida, voltando a fazê-lo no seguinte instante, já me basta. Divirto-me.
Nelas e com elas passo um tempo vivendo a madrugada desprezando vozes da noite que uivam ou tossem nos passos de passantes; a isso não há incômodo quando vêm da rua, e prezo ficar no quarto em meio a girassóis e roseiras que abrigam gnomos, seres especiais na visão da insônia.
Não saberia dizer de que cores são esses grotescos senhores porque o escuro, embora tenha nuanças aqui e ali é no todo monocromático, mas digo que se fossem verdes, azuis e amarelos em nada mudariam o momento porque esse é só meu, com direito de lhe dar cor que imaginar.
Possuem tachos bojudos sobre pequenas fogueiras onde fazem doces. Muitos doces. De frutas coletadas na floresta. Ou seria num pomar? Não sei. Ou num jardim? Apenas que saem dali os melhores e mais saborosos doces de tudo quanto é variedade, e não os fazem sozinhos como alguém poderia pensar, recebem ajuda das fadas que dividem com eles o espaço dos girassóis e roseiras entremeadas por teias, como casas. Sim, posso dizer que vivem juntos e as fadas se vestem com roupa esvoaçante, quase transparentes, com aventais bordados à mão presos às cinturas e cabelos amarrados em coque.
São lindas. E trabalham tanto, e produzem tanto que do louco sabor desses doces descobri um segredo – sei que segredo não se conta, – mas esse merece ser espalhado como cocada antes de ser cortada, porque é de um doce especial: não usam açúcar como em todos os doces que se conhece, recebem o doce gostoso do arco-íris; e por essa ninguém esperava, mas é verdade.
O arco-íris tem gosto de um bom sonho, não desses de padaria, mas de um sonho bem sonhado quando nele se realiza e se constrói a maior felicidade, mesmo que seja com um só olho aberto em plena madrugada a brincar com sombras. E a voltar à cama antiga de colchão farfalhento, de palha, com os espíritos da noite vadiando sonhos que nos faziam crescer. Até que o sol, dando vozes de alegria aos pássaros, botava um farolete aceso na fresta com o intuito de nos acordar.
Sonhar acordado o ontem é viver duas vezes a mesma felicidade.