Mais de R$ 1 milhão. Este é o tamanho do déficit do ano passado que será apresentado pela administração da Santa Casa de Paranavaí à diretoria da instituição. A prestação de contas será realizada até o fim deste mês. O caso de Paranavaí não é isolado. Segundo a Confederação das Santas Casas de Misericórdia, Hospitais e Entidades Filantrópicas do Brasil (CMB) o endividamento do setor já chega a R$ 20 bilhões e o déficit é de R$ 10,9 bilhões.
Segundo o diretor-geral da Santa Casa de Paranavaí e vice-presidente da Femipa (Federação das Santas Casas de Misericórdia e Hospitais Beneficentes do Paraná), Héracles Alencar Arrais, as instituições vivem uma enorme crise, agravada pela pandemia da Covid-19. E a situação pode endurecer ainda mais por conta de um projeto de lei aprovado no Senado e que agora tramita na Câmara dos Deputados.
Trata-se do projeto 2564/20, que fala do piso salarial nacional do enfermeiro, técnico de enfermagem, auxiliar de enfermagem e de parteira, sem apresentar a fonte de receita para garantir as obrigações decorrentes da eventual lei.
Segundo a CMB, este PL vai elevar o déficit em mais R$ 6,3 bilhões por ano. Isto porque, considerando o valor pago pelo mercado nacional, o salário do enfermeiro teria um reajuste de 90%, o técnico de 66% e o auxiliar de 58%.
No caso específico da Santa Casa de Paranavaí, que destina cerca de 80% de seus leitos ao SUS, o impacto na folha de pagamento – salário e obrigações sociais – destas categorias profissionais seria de 106%, ou seja, mais de meio milhão de reais. “O aumento é justo e meritório, não só para os enfermeiros, mas também para as outras categorias que trabalham no hospital. Não somos contra o aumento. Mas é público e notório que a relação de prestação de serviços versus remuneração do SUS, é deficitária para os hospitais. Há 20 anos, a tabela do SUS não é reajustada linearmente. O que tivemos foi uma correção aqui e outra ali, de forma bem pontual. Mas um reajuste linear não acontece há duas décadas. Por isso estamos pedindo uma alocação de recursos para poder pagar o novo piso”, lembra o vice-presidente da Femipa.
Segundo dados da CMB, desde o Plano Real, a tabela do SUS e seus incentivos foi reajustada em média em 93,77. Neste mesmo período, o INPC foi de 636,07%, o salário mínimo cresceu 1.597,79% e o gás de cozinha 2.415,94%.
“Não por acaso, algumas unidades hospitalares estão ameaçadas de fechamento e outras já falam em demissão para poder quitar a folha de pagamento dos colaboradores”, diz Arrais.
O desiquilíbrio financeiro da Santa Casa de Paranavaí é consequência da pandemia da Covid-19. Houve um crescimento exponencial no uso de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), como máscaras, luvas, gorros, aventais, etc, de álcool e outros produtos de desinfecção. Paralelamente ao crescimento da utilização, cresceram também os preços. As máscaras cirúrgicas, por exemplo, aumentaram de preço em 14 vezes.
Em 2020, sensibilizados com a pandemia, a sociedade fez diversas doações para o hospital. “Recebemos cerca de R$ 1 milhão em doações em 2020. No ano passado não chegamos 10% disso”, resume ele. Além disso, a suspensão das cirurgias eletivas – do SUS, particulares e convênios – para sobrar leitos aos pacientes do Covid-19, reduziu drasticamente as receitas do hospital.
Chega de Silêncio – Para garantir a sobrevivência dos hospitais filantrópicos, a CMB junto com as federações estaduais, lançou este mês a campanha Chega de Silêncio – Gestores e profissionais rompem o silêncio para expor a crise da maior rede hospitalar do SUS. As ações acontecerão em todo o país para sensibilizar a sociedade e, em particular, as lideranças políticas que podem evitar “a catástrofe que se prenuncia com o PL 2564”, segundo Arrais.
Em documento endereçado a deputados federais, a CMB, Femipa e santas casas estão requerendo a “alocação de recursos na ordem de R$ 17,2 bilhões, anualmente, em caráter de urgência urgentíssima e sob a égide da responsabilidade tripartite no financiamento do SUS, em simultaneidade a aprovação do PL 2564/20, como única alternativa de assunção das obrigações trabalhistas decorrentes do PL, assim como para a imprescindível adequação ao equilíbrio econômico e financeiro no relacionamento com o SUS”,
O Brasil tem 1.824 hospitais filantrópicos, com 169 mil leitos hospitalares e 25 mil de UTI, com uma representatividade ao SUS nacional de 70% do volume assistencial de alta complexidade e 51% de média complexidade. O setor é responsável, anualmente, por 5 milhões de internações, 1,7 milhão de cirurgias e mais de 280 milhões de atendimento ambulatoriais. “Somos a maior rede de hospitais do país e geramos empregos diretos e indiretos a mais de três milhões de profissionais. Mas infelizmente nos sentimentos permanentemente ameaçados por falta de recursos para o custeio dos hospitais filantrópicos”, arremata Arrais.