Jesus vai ao deserto, como para todos os judeus, o deserto evoca em Jesus o lugar em que o povo e ao qual é preciso voltar em épocas de crise para começar novamente a história rompida pela infidelidade a Deus. Não chegam ali ordens de Roma nem bulício do templo; não se ouvem os discursos dos mestres da Lei. Em compensação, pode-se ouvir a Deus no silêncio e na solidão. De acordo com o profeta Isaías, é o melhor lugar para “abrir caminho” para Deus e deixá-lo entrar no coração do povo. Ao deserto haviam-se se retirado por volta do ano 150 a.C. os “monges” dissidentes de Qumram; para ali os profetas populares conduziam seus seguidores; ali proclamava o Batista sua mensagem. Também Jesus vai ao deserto. Anseia por ouvir esse Deus que no deserto “fala ao coração”
Entre o outono do ano 27 e a primavera de 28 surge no horizonte religioso da Palestina um profeta original e independente que causa um forte impacto em todo o povo. Seu nome é João, mas as pessoas o chamam de o “Batizador”, porque pratica um rito inusitado e surpreendente nas águas do Jordão. E, sem dúvida, o homem que marcará como ninguém a trajetória de Jesus.
João era de Família sacerdotal rural. Sua língua rude e as imagens que emprega refletem o ambiente camponês de uma aldeia. Em algum momento João rompe com o Templo e com todo o sistema de ritos de purificação e perdão dos pecados a ele vinculados. Não sabemos o que o move a abandonar sua tarefa sacerdotal. Seu comportamento é o de um homem arrebatado pelo Espírito. João anuncia o juízo para todos, mesmo para Israel. Não quer mergulhar o povo no desespero. Pelo contrário, sente-se chamado a convidar todos a dirigir-se ao deserto para viver uma conversão radical, ser purificados nas águas do Jordão e, uma vez recebido o perdão, poder ingressar novamente na terra prometida para acolher a eminente chegada de Deus.
João não só conhece a profunda crise que em que se encontra o povo. Diferentemente de outros movimentos contemporâneos, que abordam diversos aspectos, ele concentra a força de seu olhar profético na raiz de tudo: o pecado e a rebeldia de Israel. Seu diagnóstico é conciso e certeiro: a história do povo eleito chegou a seu fracasso total. O projeto de Deus ficou frustrado. A crise atual não é mais uma crise a mais. É o ponto final a que se chegou numa cadeia de pecados. O povo encontra-se agora diante da reação definitiva de Deus. Assim como os lenhadores deixam a descoberto as raízes de uma árvore antes de dar os golpes decisivos para derrubá-la, assim Deus está com “o machado posto à raiz das árvores”. “É inútil as pessoas quererem escapar de sua “ira iminente”, como uma ninhada de víboras que fogem do incêndio que delas se aproxima”. Já não se pode recorrer aos meios tradicionais para recomeçar a história de salvação. De nada serve oferecer sacrifícios de expiação. O povo precipita-se para o seu fim. De acordo com o Batista, o mal corrompe tudo. O povo inteiro está contaminado, não só os indivíduos; todo o Israel precisa confessar seu pecado e converter-se radicalmente a Deus, se não quiser se perder-se irremediavelmente. O próprio templo está corrompido, já não é um lugar santo; não serve para eliminar a maldade do povo.
Ninguém deve iludir-se. A Aliança está rompida. O pecado de Israel anulou-a. É inútil apelar para a eleição por parte de Deus. De nada serve “sentir-se filhos de Abraão”; Deus poderia tirar filhos de Abraão até das pedras espalhada pelo deserto. Nada dispensa de uma conversão radical. Israel está praticamente no mesmo nível que os povos gentios. Não pode recorrer à sua história com Deus. O povo precisa de uma purificação total para restabelecer a Aliança. O “batismo” que João oferece é precisamente o novo rito de conversão e perdão radical de que Israel necessita: o começo de uma eleição e de uma aliança nova para esse povo fracassado.
João coloca novamente o povo “no deserto” às portas da terra prometida, mas fora dela. A nova libertação de Israel precisa começar ali onde havia começado. O Batista chama as pessoas a situar-se simbolicamente no ponto de partida, antes de cruzar o rio. Assim como aconteceu com a “primeira geração do deserto”, também agora o povo deve escutar a Deus, purificar-se nas águas do Jordão e entrar renovado no país da paz e da salvação. Neste cenário evocador, João aparece como o Profeta que chama à conversão e oferece o batismo para o perdão dos pecados. Os evangelistas recorrem a dois textos da tradição bíblica para apresentar sua figura: João é a voz que grita no deserto: “Preparai o Caminho para o Senhor aplainai suas veredas”. (Is 40,3). Esta é sua tarefa: ajudar o povo a preparar o caminho para Deus que está chegando. Dito em outras palavras, ele é o “Mensageiro” que guia Israel pelo deserto e volta a introduzi-lo na terra prometida. (José Antonio Pagola).
Frei Filomeno dos Santos O.Carm.




