Pode a ciência moderna – especialmente a biologia – explicar o nascimento virginal de Jesus Cristo? – Jesus foi concebido por Maria através do poder do Espírito Santo, sem a participação de um pai humano, mantendo a virgindade de Maria. Essa foi a provocação lançada pelos cientistas italianos Giuseppe Benagiano e Bruno Dallapiccola em um artigo na década de 90 que tenta explorar as possíveis intersecções entre fé e ciência, sugerindo, por exemplo, que mecanismos como a partenogênese (desenvolvimento de um ser vivo a partir de um óvulo não fecundado) poderiam oferecer uma explicação biológica para esse evento bíblico.
Em resposta, um grupo de teólogos protestantes de Chicago e Dakota do Sul, nos Estados Unidos, se manifestou com um ensaio teológico denso e provocativo, que não nega a ciência, mas recusa que os mistérios da fé possam ser reduzidos a mecanismos naturais. Mais do que isso, eles oferecem uma releitura radical da narrativa da encarnação, centrando-se na graça divina, na humanidade de Maria e na presença contínua de Deus na criação.
Os teólogos partem de uma premissa clara: o nascimento virginal de Jesus é um “mistério de fé”, e não apenas um evento biológico extraordinário. A concepção de Jesus por meio do Espírito Santo e o nascimento através de Maria representam, acima de tudo, a encarnação de Deus — a escolha divina de habitar o mundo em carne e osso, no corpo de um ser humano.
Segundo os autores da resposta, tentar explicar esse evento por mecanismos científicos, como a partenogênese, pode até enriquecer o diálogo entre fé e ciência, mas perde de vista o essencial: “O nascimento de Jesus é uma manifestação da graça divina na criação”, e não um fenômeno a ser dissecado em laboratório.
Um dos pontos centrais da crítica feita aos autores italianos é a concepção de milagre como uma “violação” das leis naturais. Os teólogos contrapõem essa ideia com uma compreensão mais integrada: milagres não são quebras da ordem natural, mas “expressões do profundo envolvimento de Deus com a natureza e com a humanidade.
Recorrendo a pensadores como John Polkinghorne e Keith Ward, eles defendem que a ação divina não é “mágica” ou “externa”, mas trabalha de forma orgânica e íntima na criação. Sob essa ótica, o verdadeiro milagre não está na explicação biológica da virgindade de Maria, mas no fato de Deus escolher um corpo humano para se encarnar — e, mais ainda, escolher “Maria”, uma mulher pobre, jovem e vulnerável, para carregar o Salvador do mundo.
Maria: mais que virgem, plenamente humana
O texto também é uma vigorosa defesa da humanidade de Maria. Em contraste com tradições que a colocam em um pedestal de santidade distante, os teólogos protestantes propõem uma leitura mais real, mais próxima. Maria não é apenas “a Virgem” ou “a Mãe de Deus”; ela é “uma mulher comum, corajosa, que escolheu participar do mistério da encarnação com fé e consentimento consciente.”
Nesse sentido, a ênfase na “pureza sexual” de Maria é vista como problemática. Ao colocar o foco na virgindade biológica, argumentam os autores, corre-se o risco de reduzir a mulher a um “recipiente passivo”. Para eles, o que importa é a plena humanidade de Maria e sua colaboração voluntária com a ação de Deus — algo que torna a encarnação ainda mais significativa e radical.
A resposta teológica também questiona a leitura literalista dos textos bíblicos sobre o nascimento virginal, sugerindo que, assim como o relato da criação em Gênesis, “essa narrativa opera como um mito sagrado” — não no sentido de uma “mentira”, mas como uma história que expressa verdades espirituais profundas.
Nesse entendimento, o nascimento de Jesus de uma virgem aponta não apenas para a singularidade de Cristo, mas para a totalidade de Deus com a criação. A encarnação revela um Deus que não apenas criou o mundo, mas “escolheu habitá-lo em sua forma mais vulnerável”.
Ciência e fé: uma convivência necessária
Embora questionem a tentativa de explicar o nascimento de Jesus com base em ciência moderna, os teólogos não rejeitam o conhecimento científico. Pelo contrário: reconhecem que a ciência pode revelar a complexidade e a beleza do corpo humano e da reprodução — mas afirmam que ela “não pode esgotar o mistério da encarnação.”
O texto destaca a importância de viver na tensão entre o que pode ser conhecido e o que permanece misterioso. Para eles, a fé cristã não exige abandonar a razão, mas sim expandi-la para incluir aquilo que está além da compreensão científica.
No fim, os teólogos concluem que o verdadeiro milagre do nascimento de Jesus não está em explicações sobre óvulos e genes, mas no fato de que “Deus se encarnou plenamente em nossa carne, habitou entre nós, sofreu conosco e nos amou até o fim.” Esse milagre não é contrário à natureza, mas profundamente enraizado nela. “É essa proximidade de Deus com a humanidade que faz do nascimento de Cristo o milagre de todos os milagres”.




