Renato Benvindo Frata
Vinícius de Morais, em seu lindo e interessante “Poema de Natal” gravou que
| Para isso fomos feitos Para lembrar e ser lembrados Para chorar e fazer chorar Para enterrar os nossos mortos Por isso temos braços longos para os adeuses Mãos para colher o que foi dado Dedos para cavar a terra. Assim será a nossa vida Uma tarde sempre a esquecer Uma estrela a se apagar na treva Um caminho entre dois túmulos Por isso precisamos velar Falar baixo, pisar leve, ver A noite dormir em silêncio. | Não há muito o que dizer Uma canção sobre um berço Um verso, talvez, de amor Uma prece por quem se vai Mas que essa hora não esqueça E por ela os nossos corações Se deixem, graves e simples. Pois para isso fomos feitos Para a esperança no milagre Para a participação da poesia Para ver a face da morte De repente nunca mais esperaremos… Hoje a noite é jovem; da morte, apenas Nascemos, imensamente. |
Pensando cá com meus botões (eles são excelentes confidentes). A tudo ouvem e, mesmo no seu definitivo silêncio respondem, indicam, sugerem… Por isso os tenho em tão alta conta.
Nesse solilóquio, mostraram-me que embora Vinícius tenha razão com respeito ao cumprimento dos braços, não devem servir apenas para adeuses, mas também e principalmente, para o acolhimento que denominamos abraço.
“Por isso temos braços longos para longos abraços” ousaria interpretar (não modificar) o lindo verso.
No seguinte onde ele põe: “Mãos para colher o que foi dado”. Eu arriscaria aumentar a conotação para: “Mãos para oferecer do melhor que temos…”
E no outro que fecha a oração: “Dedos para cavar a terra”, interpretaria como “Dedos para cobrir covas de sementes”.
Pretensão boba, eu sei, saída de simples botões conversadores, xeretas e analfabetos em um momento qualquer que, não se tendo muito em que pensar, pensa-se o impróprio.
Entretanto, deixando de pinçar os versos e os analisar pelo conjunto poético que obedece à sequência lógica dos termos “somos feitos, ser lembrados, fazer chorar, enterrar…” que dão simetria ao poema, vejo que o poeta mostra a morte como a construtividade da vida, sabendo-a finita.
Os braços longos… as mãos a receber oferta, os dedos a cavar demonstram sobriedade e, por que não, cumplicidade. Não há surpresa nos gestos, mas, espera.
E segue a bem dizer da brevidade entre o nascer, o viver e o morrer: um caminho entre dois túmulos, por exemplo, que refletem a nossa fragilidade frente ao mundo, e o respeito diante do mistério.
Na verdade, a perfeição do poema e, claro, do seu autor, não aceita intromissão, por maior que seja o tamanho do nariz do pretenso interventor.




