ANNA VIRGINIA BALLOUSSIER E CAMILA MATTOSO
DA FOLHAPRESS
Nem uma a menos. Após a participação feminina chegar a 45,6% na Rio-2016 e 48,8% em Tóquio-2020, os Jogos de Paris terão pela primeira vez na história olímpica 50% de atletas mulheres.
No Japão, no pódio ou fora dele, elas ditaram histórias sobre superação e saúde mental, dois temas incontornáveis nestas Olimpíadas. A neozelandesa Laurel Hubbard, que já havia dito ter de lidar com “a pressão de um mundo que não foi feito para pessoas como eu”, ficou sem medalha no levantamento de peso, mas entra para a história como a primeira mulher trans no principal evento esportivo do mundo.
Dos EUA, Simone Biles e Raven Saunders ajudaram a diluir a imagem do atleta que não pode cair do Olimpo ao mostrarem que de nada adianta um corpo são sem mente idem.
A ginasta, vista como imbatível, desistiu de provas para preservar a sanidade. Já a arremessadora de peso, homossexual negra com histórico de depressão, formou um “X” com os braços após receber a prata. Depois, explicou que o protesto significava “o cruzamento onde todos os oprimidos se encontram”.
Também do país veio Allyson Felix, que dois anos e meio após uma gravidez de risco conseguiu um bronze e um ouro em Tóquio. Bateu Carl Lewis e o recorde de pódios do atletismo americano, com 11.
Com quatro ouros e três bronzes, a nadadora australiana Emma McKeon saiu das piscinas da capital japonesa com mais medalhas do que qualquer outro dos 11 mil atletas na competição.
Mulheres foram decisivas para o Brasil superar o maior número de medalhas em uma só edição dos Jogos Olímpicos. Dos 21 pódios com presença de atletas brasileiros, nove vieram de disputas femininas, quase o dobro dos cinco conquistados pelas competidoras em 2016. Enquanto os homens ganharam 10,16% das medalhas que disputaram em Tóquio (12 em 118), as mulheres venceram 11,25% (9 de 80).
Rebeca Andrade persistiu após lesões que quase a tiraram da disputa e foi o único membro da delegação brasileira a sair com duas medalhas neste ano. A skatista Rayssa Leal virou, aos 13, a medalhista mais nova que o país já teve. A caçula se disse feliz por provar que “skate não é só para meninos”.
Com o bronze que levaram para casa, as amigas de infância Luisa Stefani e Laura Pigossi conseguiram um inédito pódio para o tênis nacional. Neste domingo (8), último dia de Jogos, a boxeadora Bia Ferreira e a seleção feminina de vôlei fecharam o quadro de medalhas do Brasil. Conquistaram duas pratas.
Chegar tão longe, para Bia, é um recado às novas gerações: lute como uma garota. “Meninas, façam esporte, façam luta, vale muito a pena, é muito especial viver isso aí.” “Investir nas mulheres ainda é um caminho muito interessante para buscar resultados”, disse o diretor de esportes do COB, Jorge Bichara.
A tão celebrada igualdade de gênero, contudo, teve uma trajetória acidentada na edição japonesa.
O dever de casa não foi feito pelo próprio COI (Comitê Olímpico Internacional). Mulheres são cinco (33,3%) dos 15 membros da diretoria do comitê. O percentual cresce só um pouco entre os 103 integrantes do órgão: 37,5%. Em 125 anos, a presidência da entidade nunca foi ocupada por uma mulher.
Em fevereiro, o presidente do comitê organizador dos Jogos, Yoshiro Mori, 83, pediu demissão após dizer, numa reunião, que “em conselhos com muitas mulheres, as reuniões levam muito tempo”. A sugestão de que mulheres falam demais foi inaceitável para as Olimpíadas que diziam buscar paridade de gênero.
No mês seguinte, nova baixa por sexismo. Desta vez, a renúncia partiu de um diretor criativo que, num brainstorm com sua equipe, sugeriu que Naomi Watanabe, influencer plus-size do Japão, poderia estrelar a cerimônia de abertura como “Olympig”, trocadilho em inglês com as palavras “Olimpíadas” e “porca”.
Regras que o COI estabeleceu para a edição da Covid-19 foram vistas como desestímulo a competidoras que tiveram filhos há pouco tempo. O veto para familiares acompanharem atletas em Tóquio atingia os bebês também. A um mês dos Jogos, o comitê disse que abriria essa exceção após esportistas lactantes reclamarem. Repercutiram protestos como o de Kim Gaucher, jogadora canadense de basquete que se disse forçada a decidir “ser uma mãe que amamenta ou uma atleta olímpica”.
Via de regra, mulheres têm menos patrocínio e espaço na mídia para seus feitos olímpicos.
O relatório #RespectHerGame (respeite o jogo dela), que analisou o tratamento dado pela emissora americana NBC à primeira semana de competição, trouxe números que revelam uma corrida com obstáculos até a igualdade de fato. Atletas femininas têm dez vezes mais chances de serem retratadas em ângulos que as objetificam -como closes em partes do corpo- e sete vezes mais probabilidade de serem mencionadas por um diminutivo de gênero -“menina”, por exemplo.
Quando se referiram ao atleta masculino, só em 2% dos casos comentaristas especificaram que ele era homem, enquanto isso acontecia 13,6% das vezes com mulheres -reforçando a ideia de que eles são os atletas “reais”, e elas, coadjuvantes saídas de suas costelas olímpicas. Fake news.