*Sidney Ito e Fernanda Allegretti
Gerenciar riscos é obrigação de qualquer empresa, independentemente de qual for sua estrutura societária, seu porte ou seu perfil de negócios. Seja com o propósito de mitigar, transferir ou endereçar um risco, a companhia sempre deve procurando um equilíbrio ideal entre ele e a oportunidade. Esse cenário, obviamente, não é diferente para as empresas brasileiras de capital aberto. Elas, todavia, não apenas precisam se manter atentas aos riscos inerentes aos negócios para se manterem competitivas, como também ao olhar de stakeholders como os acionistas e a figura dos órgãos reguladores.
De todos os fatores de riscos divulgados pelas companhias, os regulatórios são os que mais se destacam, sendo citados por 95% das empresas abertas listadas no Novo Mercado, no Nível 2, no Nível 1 e pelas maiores do nível básico da B3, segundo levantamento do ACI Institute da KPMG. Essa é uma preocupação legítima, pois uma estrutura inadequada de compliance, ou essa estrutura não ser suficiente para evitar intervenções ou punições de órgãos reguladores, pode colocar em perigo o negócio das companhias, gerar perdas, dificultar investimentos e criar um ambiente volátil e de incerteza aos seus investidores.
A partir dos formulários de referência arquivados na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), foi possível traçar um panorama com os 25 fatores de risco mais citados por essas 241 empresas abertas do País. Além dos riscos regulatórios, as condições econômicas e de mercado, os riscos financeiros e de caixa, os riscos operacionais e aos relacionados aos acionistas, formam os cinco principais motivos de preocupação no cenário nacional.
São entendidos como condições econômicas e de mercado os riscos associados, por exemplo, a políticas macroeconômicas e suas implicações; oscilações de demanda, decorrente da perda do poder de compra dos consumidores ou da retração do setor. Já os riscos aos acionistas incluem fatores como volatilidade e falta de liquidez das ações da companhia ou do mercado de capitais, restrições na participação acionária ou dificuldades em exercê-las.
Em quarto lugar, os riscos operacionais estão associados a falhas em processos ou operações, que podem implicar em interrupções temporárias, queda na eficiência, perdas e atrasos. Abrange, entre outros fatores, a gestão de estoques, eficiência logística e a segurança e manutenção das instalações. Encerrando o recorte com as cinco maiores preocupações das empresas de capital aberto do Brasil, aparecem os riscos financeiros e de caixa, envolvendo falta de liquidez, estrutura ou nível de endividamento e eventual dificuldade de captar recursos, por exemplo.
A todos esses fatores, soma-se ainda a apreensão com a crise sanitária global provocada pela covid-19, citada em mais da metade (57%) dos formulários analisados. À medida que o vírus foi se alastrando, governos, empresas e sociedade tiveram que se adaptar e readequar rotinas, processos e operações para mitigar impactos da pandemia – o que tem se provado um verdadeiro desafio para todos.
Tal situação, porém, tornou o mercado mais consciente de suas fragilidades, reforçando a importância do gerenciamento de riscos para a continuidade das operações. Assim, em meio a tantos desafios, avanços e retrocessos, oportunidades e ameaças, sobrevive quem consegue mapear, prevenir, mitigar e endereçar os riscos.
Outro tema trazido à tona em meio às disrupções provocadas pela pandemia diz respeito aos fatores ambientais, sociais e de governança (ESG, na sigla em inglês). Vale enfatizar que, em dezembro do ano passado, o órgão regulador colocou em audiência pública a proposta de alteração da Instrução CVM 480 que, dentre outros objetivos, pretende aprimorar a divulgação de informações ligadas à prática ESG.
Se implementadas como previstas pela minuta da CVM, as novas regras exigirão maior destaque à divulgação de fatores ESG nos Formulários de Referência, em conexão com a divulgação da estrutura e práticas de governança corporativa. Outros aspectos da atualização dizem respeito ao posicionamento dos emissores quanto aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, da ONU, e à adoção de política de “pratique ou explique” por aqueles que não divulgarem relatórios de sustentabilidade ou não adotarem indicadores-chave de desempenho para questões ambientais e sociais, entre outros.
Apesar de a reforma da Instrução CVM 480 ter efeito prático somente no ano que vem, se aprovada, já se percebe uma crescente preocupação das companhias com o tema. Os fatores de riscos associados às questões socioambientais foram mencionados por 66% das empresas, frente a 56% em 2020. Já os que foram relacionados às práticas de governança também ganharam destaque e, pela primeira vez, apareceram entre os 25 mais citados pelas companhias, presentes em quase 50% das divulgações.
Mesmo com um cenário de recuperação econômica e retomada à frente, ainda teremos que conviver com o legado da pandemia por muito tempo e a existência de uma estrutura efetiva de gerenciamento de riscos torna-se essencial para garantir o sucesso e a perenidade dos negócios. À luz dos acontecimentos do último ano, pode-se dizer que as empresas que conseguiram se adaptar mais rapidamente às novas demandas, readequando e atualizando modelos de negócios, são as que sofreram impactos menores ou tiveram maior resiliência às crises.
*Sidney Ito é CEO do ACI Institute, do Board Leadership Center e sócio de consultoria em riscos e governança corporativa da KPMG no Brasil. Fernanda Allegretti é sócia-diretora do ACI Institute, do Board Leadership Center Brasil e de mercado da KPMG no Brasil