JOÃO GABRIEL
DA FOLHAPRESS
Servidores de pelo menos 18 sedes da Fundação Nacional do Índio, a Funai, realizarão atos e prometem uma paralisação nesta quinta-feira (23) com foco em duas reivindicações: a saída de Marcelo Xavier da presidência do órgão e uma profunda investigação da morte do indigenista Bruno Pereira e do jornalista inglês Dom Phillips.
Bruno pediu licença da Funai em 2019, apontando obstáculos do governo Bolsonaro e da gestão de Xavier à frente da fundação para continuar o seu trabalho de defesa dos povos indígenas, sobretudo os isolados.
À reportagem, 44 dias antes de desaparecer em viagem com Dom Phillips, o indigenista deixou claro seu descontentamento com a atual gestão da entidade.
“O presidente [Jair Bolsonaro] não demarcou um centímetro como ele prometeu. O presidente da Funai, o [Marcelo] Xavier, está lá para isso. É a administração do caos. Não sei não [suspiro]. Difícil, cansativo, perigoso. Vamos simbora”, afirmou.
Nos últimos anos, diversas bases da fundação, incluindo a do Vale do Javari –onde Bruno e Dom foram assassinados– sofreram ataques. “[Queremos] Estruturar mínimas condições de trabalho e segurança para a execução da nossa missão institucional de promover e proteger os direitos dos povos indígenas”, pedem os grevistas em manifesto.
Durante as investigações sobre o desaparecimento de Bruno e Dom, Xavier chegou a dizer que os dois desapareceram por terem se colocado em risco ao entrar na Terra Indígena (TI) do Vale do Javari sem autorização do órgão.
“É muito complicado quando duas pessoas apenas decidem entrar na terra indígena sem nenhuma comunicação aos órgãos de segurança”, afirmou Xavier.
Segundo a Univaja (União dos Povos Indígenas do Vale do Javari), entidade para a qual Bruno atuava quando morreu, e também de acordo com servidores, os Bruno e Dom não entraram na TI do Vale do Javari, mas percorreram o seu entorno durante a viagem.
O estopim para a greve foram justamente essas declarações do presidente do órgão e a falta de uma retratação pública. Desde o início das buscas, os servidores da Funai pedem uma reunião com Xavier para falar do caso e não foram atendidos.
Procurada, a Funai não respondeu aos questionamentos sobre a atuação de seu chefe ou sobre a greve.
Delegado da Polícia Federal, Xavier é apontado como o responsável pela criação de uma política anti-indígenista dentro da própria Funai e por omissão, junto ao governo federal, no caso dos mortos no Vale do Javari.
Essas críticas foram expostas em um dossiê produzido pelo Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) e pela INA (Indigenistas Associados, que reúne servidores da Funai).
O documento cita a falta de demarcação de terras indígenas desde que Xavier assumiu o cargo, em 2019, enumera casos de perseguição a servidores e aponta uma ocupação excessiva de militares em cargos importantes.
Como mostrou o jornal Folha de S.Paulo, a Funai tem hoje o seu menor número de servidores permanentes desde 2008. Documentos mostram que mais de 60% dos cargos da fundação estão vazios atualmente.
Desde 2019, o atual governo já barrou dois pedidos da fundação para abertura de concurso público e atualmente protela outros dois.
Servidores da Funai ouvidos sob condição de anonimato afirmam que a falta de servidores contribui para o aumento da violência, dificulta as atividades de fiscalização e eleva os riscos da atuação em campo.
Bruno atuou por mais de uma década no Vale do Javari –que concentra a maior porção de isolados no mundo– e foi coordenador geral da região, antes de ser deslocado para a coordenação de povos isolados, em Brasília, em 2018.
Foi exonerado do cargo por Xavier e logo depois de chefiar uma operação que destruiu 60 balsas do garimpo na região.
Xavier foi consultor da CPI da Funai e do Incra em 2017. Articulado pela bancada ruralista, o relatório final da comissão pedia o indiciamento lideranças e entidades indígenas e até de procuradores da República conhecidos por uma atuação de defesa dos direitos desses povos.
Ele é próximo do ruralista Nabhan Garcia, atual secretário especial de Assuntos Fundiários, de quem chegou a ser nomeado assessor –cargo que não assumiu. Também foi assessor da Secretaria de Governo para questão agrária, sob Michel Temer.
Atuou ainda como ouvidor da Funai, época em que chegou a pedir que a Polícia Federal investigasse ONGs e indígenas.