No Evangelho de Lucas Jesus se apresenta como aquele que reza ao Pai, sobretudo nos momentos decisivos de sua vida. Um desses momentos (v. 1a) se insere na viagem do Mestre a Jerusalém (9,51-19,27), longo itinerário onde se forja o perfil do discípulo que caminha com ele.
Os discípulos sentem necessidade de uma oração que os caracterize: “Senhor, ensina-nos a rezar, como também João ensinou seus discípulos” (v. 1b). O fato marca, para os discípulos, a divisão entre o velho e o novo. Nasce assim, no Evangelho de Lucas, o “catecismo sobre a oração do cristão”.
O novo está justamente no modo como as pessoas se relacionam com Deus: “Quando rezarem, digam: ‘Pai!’“ (v. 2a). Os discípulos de Jesus entram em diálogo com Deus chamando-o “Pai querido”. É uma relação nova e inédita, superior à forma como se relacionava Abraão, o amigo de Deus (cf. 1 leitura). Os cristãos não são somente amigos. São filhos de Deus, que é Pai.
- A relação dos filhos com o Pai (VV.2-4)… O catecismo sobre a oração do cristão no Evangelho de Lucas consta de cinco elementos. Eles traduzem, para nós, O QUE É REZAR. Os dois primeiros (v. 2) provocam à abertura para o Pai; os três últimos (VV.3-4) conduzem à transformação das relações entre as pessoas.
SANTIFICADO SEJA O TEU NOME (V. 2b)… Mais que um pedido, essa expressão revela o compromisso de quem entrou em comunhão com Deus. Encontramos aqui duas coisas importantes: a santidade e o nome de Deus, estreitamente relacionados entre si. A santidade de Deus se revela na presença do Reino atuante na pessoa de Jesus. Os cristãos já aprenderam que o novo nome de Deus é “Pai”. Santificar seu nome, portanto, é reconhecê-Lo como aquele que age na humanidade. O mundo é sua família. As criaturas são seus filhos. Sua santidade não é o afastamento da nossa história, mas sua inserção em nossa caminhada.
VENHA O TEU REINO (V. 2c)… Também essa expressão fala do nosso compromisso com o Pai. O Reino de Deus – seu projeto – se tornou claro na vida e ações de Jesus. Pedir que o Reino venha significa, para os cristãos, abrir-se ao projeto de Deus, que leva à construção de sociedade e história novas.
DÁ-NOS A CADA DIA O PÃO QUE PRECISAMOS (v. 3)… A expressão “a cada dia” – própria de Lucas – fala da confiança incondicional dos cristãos no Pai, que destinou os bens do mundo para todos. Pedir a cada dia o pão que precisamos é, portanto, assumir a partilha como forma de realizar o Reino, traduzido na fraternidade: pão, terra, moradia, saúde, educação, vida para todos, até que a humanidade inteira reproduza o “paraíso” saído das mãos do Pai.
PERDOA-NOS OS NOSSOS PECADOS, POIS TAMBÉM NÓS TAMBÉM PERDOAMOS A TODOS OS QUE NOS DEVEM (V. 4a)… Os cristãos partilham entre si o dom que Deus lhes fez: o perdão. Não traduzir nas relações o perdão de Deus é tornar inútil e mentirosa a oração que Jesus nos ensinou.
E NÃO NOS DEIXES CAIR EM TENTAÇÃO (V. 4a)... A sociedade em que vivemos nos condiciona em torno do ter, do poder, da ambição, do prestígio e da idolatria (cf. as tentações de Jesus, Lc 4,1-13). Jesus, por sua vez, nos ensina a pedirmos ao Pai que não nos deixe cair nessas tentações que pervertem o projeto de uma sociedade fraterna e igualitária. Às tentações do poder, do ter e do prestígio os cristãos respondem com a partilha, serviço, igualdade, solidariedade, serviço e disponibilidade como instâncias para construir nova sociedade e história.
DEUS É PAI (VV. 11-13)… Encerram o catecismo de Lucas sobre a oração dos cristãos. Volta à tona o tema da paternidade, acompanhada de um juízo sobre as relações humanas: “se vocês, que são maus, sabem dar coisas boas aos seus filhos, quanto mais o Pai do Céu” (v. 13a). O modo como Deus Pai supera a paternidade humana. Em que sentido? Os pais normalmente se preocupam em dar coisas boas a seus filhos. O Pai dá aos cristãos o bem supremo, ou seja, o mesmo Espírito que conduziu Jesus à inauguração de seu programa libertador (4,18). À luz do Espírito eles serão capazes de levar adiante o projeto de sociedade justa e fraterna. Só os que têm consciência disso, e agem nessa direção, poderão verdadeiramente chamar a Deus de Pai.
(Roteiros homiléticos – Pe. José Bortolini)