*Dirceu Cardoso Gonçalves
A chegada do coração de D. Pedro I que, nesta terça-feira, sobe a rampa do Palácio do Planalto, com honras de chefe de Estado, enseja a reflexão sobre os dois séculos que nos separam do histórico 7 de setembro de 1822. O que éramos naquele tempo e o que somos hoje. Assistir esse “filme” pode nos indicar os caminhos ao terceiro século de existência do nosso país e – mais que isso – chamar aos brios cada um dos brasileiros para o cumprimento de sua missão para com a pátria e consigo mesmo.
Embora tenham nos ensinado sobre o descobrimento, em abril de 1500, vale lembrar que nos 322 anos antecessores da Independência fomos apenas um estado (ou província) colonial de Portugal e da Espanha cujo domínio se estendia desde o hoje Brasil-Central até os territórios dos nossos atuais vizinhos de fala castelhana. Foi a rebeldia de Pedro I que nos transformou num verdadeiro país com todas as possibilidades e riscos da vida independente. Algo que nem o chegava beneficiar, pois, como príncipe regente, já era o governante local. Passamos a ter relações políticas e comerciais com os outros países sem a interferência dos interesses de Lisboa.
Tive a oportunidade de – como jovem policial – assistir e até participar da recepção aos despojos de Pedro I que desde 1972 – 150° aniversário da Independência – repousam na cripta imperial do Parque da Independência, aqui em São Paulo. O translado foi marcante e seus reflexos impulsionaram, durante alguns anos, o culto a 7 de setembro. O coração é mantido na cidade do Porto, com as instruções de conservação deixadas pelo próprio imperador que, depois de governar do Brasil até 1831, voltou a Portugal, onde se transformou em Pedro IV após conter uma crise política e familiar.
Não é exagerado pensar que o Brasil só existe depois da Independência. Ainda no império – sob D. Pedro II, até a proclamação da República, em 1889 – a agricultura foi sistematizada e desenvolvida, aboliu-se a escravatura e criou-se as bases para a economia que temos hoje, inclusive com a chegada do telefone, da índústria e da estrada de ferro, modernidades de então. Após a República e com a imigração – que substituiu a mão-de-obra dos escravos – vieram os estrangeiros, as tecnologias e as diferentes teorias políticas que se embateram e nos trouxeram até aqui. Nada disso teria acontecido ou, pelo menos, ocorreria mais tardiamente, não fosse o ato de Pedro I, às ma rgens do riacho Ipiranga.
Depois de tempos em baixa, o 7 de setembro ganhou nova força com o presidente Jair Bolsonaro, que impulsionou a data e “encarnou” o verde e amarelo em oposição ao vermelho cultuado por seus antecessores. Hoje a data faz parte do embate político e motiva diferentes especulações muito ao sabor do que pensa e dos interesses imediatos de cada um. Isso é um mal que precisa ser sanado, pois a Independência é algo acima de ideologias e de interesses políticos. Deveria ser repeitada e cultuada por todo os brasileiros, diante da certeza de que todos os que hoje compõem as diferentes correntes de pensamento foram, de alguma forma, beneficiados pelo evento de 200 anos atrás.
É de se esperar que, num futuro não muito distante, o 7 de setembro seja incontestavelmente a data magna de todos e não dos seguidores ou opositores de alguém que quer permanecer ou voltar a chefiar o governo. Uma eleição e as narrativas – muitas delas enganosas – que montam ao seu redor constituem imensa heresia aos valores da Nação e não podem ter mais importância do que o acontecimento histórico que nos deu autonomia e ensejou o nosso desenvolvimento à condição de uma das principais economias do mundo. Que o simbolismo da presença do coração do imperador – que volta a Portugal no dia 8, inspirem os todos nós a trabalhar firme e racionalmente e sem ranço político ou ideológic o pelo bem estar geral. Reflita sobre 7 de setembro e, com toda sinceridade, identifique o seu papel no contexto dessa história, que nunca acaba e precisa ser continuada.
*Tenente Dirceu Cardoso Gonçalves – dirigente da ASPOMIL (Associação de Assist. Social dos Policiais Militares de São Paulo)
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