A fome hoje ronda 1 a cada 3 famílias brasileiras com crianças de até dez anos, de acordo com dados do 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, divulgado nesta quarta-feira (14). Nas regiões Norte e Nordeste, a proporção de domicílios com crianças nesta idade e que estão em situação de insegurança alimentar moderada ou grave é ainda maior. No Norte, falta alimento suficiente em mais de metade (51,9%) das famílias. O caso mais dramático é o do Amapá, onde mais de 60% dos lares com crianças pequenas não têm comida no prato para todo mundo.
No Nordeste, também há risco de fome em quase metade (49%) das casas com crianças de até dez anos. O caso extremo é do Maranhão, onde esse percentual é de 63,3%. Em segundo lugar está Alagoas, que tem maior proporção de pessoas passando fome no Brasil, onde 59,9% das casas com menores de 10 anos estão sem alimento suficiente.
No campo da segurança alimentar, estão melhores as regiões Sul e Sudeste, onde, respectivamente, 43,2% e 38,4% dos domicílios com crianças menores têm acesso a alimentos em quantidade e qualidade suficiente para todos os moradores. O índice é melhor em Santa Catarina (52,6%) e no Espírito Santo (55,7%), e pior em São Paulo (37,6%) e Rio de Janeiro (33,3%).
O levantamento foi feito pela Rede Penssan (Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional) e executado pelo Instituto Vox Populi. A margem de erro é de 0,9 ponto percentual, para mais ou para menos. Atualmente, 33 milhões de pessoas passam fome no país, segundo resultado do mesmo inquérito divulgado em junho. O marco representa um retrocesso de 30 anos na política de segurança alimentar brasileira. Em 1993, eram 32 milhões de pessoas sem comida no prato, segundo dados semelhantes do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) -a população brasileira então era 27% menor que a de hoje.
“O fato de crianças estarem em pleno desenvolvimento físico, psíquico e intelectual faz com que os danos causados pela falta de acesso a alimentos tenham implicações futuras. O tamanho do comprometimento vai depender da intensidade e da duração da insegurança alimentar”, alerta. “Por isso, as políticas púbicas precisam ser imediatas. Elas não podem esperar melhores condições econômicas para fazer uma intervenção neste campo.”
O relatório do levantamento aponta que as condições de segurança ou de insegurança alimentar estão relacionadas a outros indicadores sociais que impactam no acesso a alimentos nos domicílios, como gênero, raça e insegurança hídrica. O estudo constatou que os dados de segurança ou insegurança alimentar se modificam de acordo com o nível de renda, o grau de escolaridade, o tipo de ocupação e a situação de emprego ou desemprego dos responsáveis pelos domicílios.
“Tais condições são interdependentes e potencializam, portanto, os efeitos sobre o acesso a alimentos”, aponta o texto. “Isto permite supor que a maior prevalência de insegurança alimentar, especialmente nas formas mais severas (IA moderada + grave), em domicílios onde residem crianças menores de 10 anos, seja uma consequência destas interações, conforme apontado em estudos nacionais e internacionais.”
O levantamento realizou entrevistas em 12.745 domicílios, em áreas urbanas e rurais de 577 municípios, distribuídos nos 26 estados e no Distrito Federal. Foi utilizada a Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (Ebia), também adotada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Segurança alimentar é a situação em que há acesso pleno e estável a alimentos em qualidade e quantidade adequados.
Já a insegurança é dividida em três categorias: leve (quando o temor de faltar comida leva a família a restringir a qualidade dos alimentos), moderada (sem qualidade, há alimentos em quantidade insuficiente para todos) e grave (quando ninguém acessa alimentos em quantidade suficiente e se passa fome).
FolhaPress