Há cerca de dois anos, o croata Ivan Ljubicic foi perguntado sobre o que fazia Roger Federer, 41, ser tão especial em quadra. O treinador do suíço concordou com todas as comparações desfavoráveis feitas em relação ao seu pupilo. Sim, era verdade. Federer não tinha a força física do espanhol Rafael Nadal ou a precisão cirúrgica (ou suíça?) do sérvio Novak Djokovic. Mas ele possuía outra coisa que o tornava único no circuito: a compreensão do tênis.
“Na quadra, Roger é muito inteligente. Fora da quadra, ele é muito inteligente também. O cérebro dele é excepcional, apenas não é apreciado como deveria. Dentro de quadra, ele é um gênio e é isso o que o torna o maior de todos, na minha opinião”, disse Ljubicic. “O legado que ele vai deixar vai muito além de quantas semanas foi número um do mundo ou quantos títulos de Grand Slam conquistou. Roger entende rapidamente que golpe dar e em que momento. A habilidade que tem para antecipar as jogadas é incrível. Sua capacidade de entender o jogo é incomparável”, completa.
Federer anunciou nesta quinta-feira (15) que vai se aposentar do tênis.
“O tênis me tratou com mais generosidade do que eu jamais teria sonhado, e agora devo reconhecer quando é hora de encerrar minha carreira competitiva. A Laver Cup, na próxima semana, em Londres, será meu último evento ATP. Vou jogar mais tênis no futuro, é claro, mas não em Grand Slams ou no circuito”, explicou nas redes sociais.
Ele abandona o circuito depois de revolucioná-lo, tanto no esporte quanto nos negócios. Deixa também pelo caminho uma das maiores rivalidades da história do esporte, com Rafael Nadal. Adversário apenas no tênis, porque Federer sempre disse ser muito amigo do espanhol. Em 25 anos de carreira, o suíço pulverizou o recorde de títulos de Grand Slam (Aberto da Austrália, Roland Garros, Wimbledon e US Open). A melhor marca era do americano Pete Sampras, com 12. O suíço chegou a 20. No ranking histórico, hoje em dia, ocupa a terceira posição. Foi ultrapassado pelo amigo Nadal (22) e pelo sérvio Novak Djokovic (21). Passou 310 semanas na liderança do ranking.
É com eles também que divide o pódio dos esportistas que mais faturaram em premiações na história da modalidade. Segundo dados da ATP (Associação dos Tenistas Profissionais), Federer faturou US$ 130.594.339 durante a carreira (cerca de R$ 684 milhões pela cotação atual). Apenas Djokovic (US$ 159 milhões ou R$ 832 milhões) e Nadal (US$ 131,6 milhões ou R$ 688,6 milhões) ganharam mais.
O suíço mostrou a mesma inteligência citada por Ljubicic no mundo do marketing esportivo. O que também mostrou considerável dose de coragem. Quando era apontado como futuro número um do mundo, mas ainda não havia sequer rompido a barreira do top 10, ele rompeu com a IMG, uma das maiores corporações do planeta na representação de atletas. Decidiu abrir sua própria agência, administrada por seus familiares.
O gesto foi criticado por especialistas porque desvalorizaria, na teoria, o mercado e um atleta destinado a ganhar milhões. Se nos primeiros anos, Federer patinou nos contratos, logo engrenou e não olhou mais para trás. A estimativa da Forbes é que ele faturou na carreira mais de US$ 1 bilhão (R$ 5,2 bilhões). A maior parte desta bolada veio de patrocínios, propagandas, luvas pela participação em torneios e lucrativas partidas de exibição ao redor do mundo.
A revista avalia que seus ganhos, em 2005, eram de US$ 14 milhões por ano (R$ 73,2 milhões pela cotação atual). Em 2008 o tenista renovou com a Nike por US$ 10 milhões a cada 12 meses (R$ 52,3 milhões). No início da década seguinte, os rendimentos haviam saltado para US$ 43 milhões anuais (R$ 225 milhões).
São números que ficaram em segundo plano diante da imagem do campeão em quadra. E o anúncio da aposentadoria provocou reações e reverências no mundo do esporte.
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“Eu te amo, Roger. Muito obrigado por tudo o que você fez pelo tênis e por mim. O mundo do tênis nunca vai ser o mesmo sem você”, escreveu o argentino Juan Martin Del Potro, no Twitter. Para a tenista americana Billie Jean King, o suíço foi o “campeão dos campeões”. “Ele tem o jogo mais completo de sua geração e capturou corações de fãs ao redor do mundo com incrível velocidade em quadra e uma mente poderosa para o tênis. Ele tem tido uma carreira histórica, com memórias que vão continuar vivas, elogiou.
Federer também desafiou a idade. Aos 36 anos, em 2016, ele foi o tenista mais velho a ocupar o primeiro lugar desde a criação do ranking da ATP, em 1973.
Seu último título no circuito foi em seu país natal, no Swiss Indoors de 2019, disputado na Basileia. A despedida será em um projeto criado por ele mesmo. A Laver Cup, nascida em 2017, é competição disputada em sistema inspirado na Ryder Cup, do golfe. Uma equipe é formada por europeus e a outra, pelo “restante do mundo”. Federer acredita que a ideia será lucrativa no futuro.
“É um torneio muito querido para mim”, definiu. “Toda vez que tenho de jogá-lo, tenho uma energia extra.” É a chance que ele tem também de ser companheiro de equipe de Nadal e Djokovic. Por causa do adeus do seu criador, a Laver Cup de 2022 deverá atrair mais atenção do que nunca. Mas não é essa a última lembrança que Roger Federar deseja deixar. “Se eu pudesse escolher meu legado, seria que as pessoas se lembrassem das sensações que tiveram ao assistirem as minhas partidas”, resumiu.
FolhaPress