RENAN MARRA
DA FOLHAPRESS
O mundo chegou a 8 bilhões de pessoas, tendo o Brasil na sétima posição dos Estados mais populosos, com 215 milhões de indivíduos. Nos próximos anos, porém, o país vai perder posições e terá de lidar com diminuição proporcional do número de jovens e o envelhecimento acelerado, acima esperado na média global.
Projeção da ONU aponta o ápice populacional do Brasil em 2046, ano em que o país chegará a 231 milhões de habitantes. Depois, o número de brasileiros começará a diminuir. A expectativa é de que, até 2100, haverá queda expressiva, com a população baixando para 185 milhões. Globalmente, a diminuição está mais distante: o mundo deve registrar o pico somente em 2086, com 10,4 bilhões de pessoas. Em 2100, serão 10,3 bilhões.
A transição acelerada no Brasil acende alertas para a mudança das fases que os especialistas chamam de “bônus demográfico” para “ônus demográfico”. Na primeira, o crescimento econômico é favorecido pela maior proporção de jovens e adultos que trabalham e contribuem com a Previdência. Na segunda, o número de idosos é maior, o que pode tirar o impulso da economia e impactar o sistema de saúde.
O processo do bônus brasileiro começou na década de 1970 e teve o auge de 2015 a 2020, afirma José Eustáquio Diniz Alves, doutor em demografia e ex-professor da Escola Nacional de Ciências Estatísticas. Mas, por diversos fatores, o país tem desperdiçado parte do período favorável. Agora, o que ele chama de janela de oportunidades está se fechando sem que o Brasil tenha de fato potencializado o crescimento.
“Podemos fazer uma analogia com uma casa. Até 2020, as janelas estavam se abrindo, e mais luz entrava. Depois, começaram a se fechar. Ainda tem luz, mas em quantidade cada vez menor”, diz o demógrafo, estimando que o país entrará na fase de ônus demográfico a partir de 2035.
O bônus demográfico é o período ideal para crescimento econômico e salto na qualidade de vida da população, explica o professor, acrescentando que todos os países com IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) acima de 0,900 aproveitaram a janela de oportunidade. Na metodologia do índice, quanto mais perto de 1, melhor. O IDH atual do Brasil é 0,754. “O problema é que o Brasil tem aproveitado apenas parte do bônus, não sua totalidade. Nos últimos sete anos, houve muito desperdício.”
De 2015 a 2016 a crise econômica provocou recessão e roubou milhões de postos de trabalho no Brasil. Mais recentemente, os efeitos da pandemia de Covid-19 e a Guerra da Ucrânia desencadearam aumento da inflação e alta no preço dos alimentos em nível global, impondo travas também à economia brasileira.
Parte do desperdício do bônus está relacionado ainda ao desemprego. Sem taxa de ocupação adequada, o país não consegue capitalizar o potencial de todo o contingente da população apta a produzir. No terceiro trimestre deste ano, a taxa de desemprego no Brasil ficou em 8,7%, segundo dados do IBGE divulgados no mês passado.
O demógrafo Ricardo Ojima, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e ex-presidente da Associação Brasileira de Estudos Populacionais, avalia que o país poderia ter aproveitado melhor o bônus com investimentos públicos de longo prazo nas áreas de educação e qualificação de jovens para atender demandas específicas, como no setor de tecnologia, que sofre com falta de mão de obra especializada.
“Mas os investimentos do atual governo em educação foram secundarizados. O orçamento do ensino superior hoje é um dos mais baixos nos últimos anos. Fica difícil ampliar o conhecimento tecnológico se há diminuição sucessiva do volume de recursos”, diz Ojima. O professor acrescenta como fator negativo a narrativa que desqualifica as universidades públicas, o que, segundo ele, desestimula os jovens.
Carla Beni, economista e professora da FGV-SP, endossa a avaliação. Ela acrescenta que, em curto e médio prazos, o bônus poderia ser melhor aproveitado com o investimento em escolas técnicas e cursos de curta duração. “Essas escolas, com subsídios do Estado, poderiam ajudar os jovens a serem mais competitivos no mercado. Há carência de mão de obra técnica no Brasil”, diz.
Comparado com países da Europa, o Brasil tem atravessado mais rapidamente o processo de transição demográfica devido à urbanização acelerada. A diminuição na taxa de fecundidade brasileira –de 6 para 2 filhos em média por mulher– ocorreu em pouco mais de 40 anos. Nos países europeus, o mesmo processo aconteceu ao longo de um século, segundo Ojima.
Em centros urbanos, o maior acesso à educação e a métodos contraceptivos explicam em parte a redução do número de membros nas famílias. Outro fator é o custo de vida mais alto, que força reflexão no planejamento.
Ao mesmo tempo em que há queda na taxa de fecundidade, o Brasil registra avanços nos indicadores da saúde e maior expectativa de vida. Segundo a ONU, os brasileiros estão vivendo em média 73,4 anos, o que representa uma alta em torno de 52% em relação à 1950, quando a média era 48,1 anos.
O envelhecimento proporcional não é um desafio só do Brasil. Estudo da FGV Social aponta que, até 2060, 95% de uma lista de 201 países terão diminuição no percentual de jovens. Segundo o levantamento, em pouco menos de 40 anos, o proporção de brasileiros de 15 a 29 anos (15,3%) estará mais próxima do extremo mínimo projetado para a Coreia do Sul (11,7%) do que da média mundial (20%).
A diferença é que o governo sul-coreano tem aproveitado de forma eficiente o momento de transição demográfica, com forte processo de industrialização e investimento massivo em educação, tecnologia, além de melhoria na qualificação dos jovens, aponta Ojima, da UFRN. São fatores nos quais, em geral, o Brasil tem falhado até aqui.