LUÍS MARCELO CASTRO
DA FOLHAPRESS
A surpresa expressa nos olhos arregalados de Neymar quando o técnico Tite anunciou a convocação de Gabriel Martinelli, 21, para a Copa do Qatar foi compartilhada por muitos torcedores.
Afinal, além da forte concorrência no setor, o jovem atacante nunca havia sido chamado para defender a seleção brasileira principal até março deste ano e, desde então, atuou apenas três vezes -contra Chile, Bolívia e Japão-, sempre saindo do banco.
Na curta carreira de Gabriel Teodoro Martinelli Silva, porém, tudo evoluiu rapidamente. Desde o último Mundial, na Rússia, o jogador passou das categorias de base de um clube do interior paulista sem calendário nacional, em 2018, a um dos destaques do inglês Arsenal, atual líder Premier League.
Nascido em Guarulhos, em 2001, Martinelli desde cedo chamava a atenção por sua dedicação e habilidade com a bola. Em 2007, aos 6, o garoto deu seus primeiros chutes no futsal do Corinthians, levado pelo pai, João Carlos.
Aos 10, no campo, como centroavante, dividia-se entre marcar seus gols com a camisa 9 do time de garotos e observar outra referência, Ronaldo Fenômeno, o 9 dos profissionais, em treinos na Fazendinha.
“O Martinelli sempre foi goleador, muito acima da média. Fazia 40 gols [em um campeonato] no salão”, lembra Márcio Zanardi, técnico do sub-11 do Corinthians na época. “Só era um pouco individualista, mas com o tempo passou a jogar mais apoiado e, com isso, cresceu muito.”
Martinelli atuou na base corintiana até os 13 e marcou 73 gols em 139 partidas. A mudança de seus pais para Itu, a 101 km de São Paulo, fez com que a trajetória no Parque São Jorge fosse interrompida.
“Hoje seria muito arriscada essa mudança, os garotos vêm de longe para ter uma chance no Corinthians. Mas a família se mudou para o interior e havia rumores de que ele já estava sendo observado pelo Manchester United”, diz Zanardi.
Poucos meses depois, o atacante despontava no infantil do Ituano, com o aval do então gestor Juninho Paulista, também cria da base do clube. Então cartola, ele deixou o clube em 2019 para assumir a coordenação de seleções da CBF.
“O Gabriel tinha uma inteligência diferenciada e muita vontade de ser o melhor”, lembra Thiago Baldari, técnico do atleta no sub-15 do Ituano.
“Fisicamente, ele sofria bastante, era menor que os colegas, mas isso fez com que evoluísse tecnicamente, aprendeu a ocupar os espaços e fazer a leitura do jogo e dos adversários.”
Artilheiro da equipe no Paulista sub-15, em 2016, e sub-17, no ano seguinte, Martinelli marcou 37 gols em 63 jogos na base. Também passou a atuar na ponta esquerda e a fazer a transição em velocidade. Em 2018, aos 16, estreou no profissional.
Nesse período, o atacante visitou a Inglaterra, convidado a conhecer a estrutura do Manchester United e, mais tarde, treinou com os juvenis do Barcelona. As viagens renderam ao jogador a atenção dos observadores, inclusive os da seleção italiana.
“Havia a possibilidade [de ele jogar pela Itália], mas o Gabriel sabia que estava nos planos da seleção brasileira. Foi convocado para o sub-20 [no início de 2019] e, depois, acabou direto na olímpica”, afirma Gustavo Leal, auxiliar do técnico André Jardine nas seleções sub-20 e sub-23.
“O que chamou atenção nele foi o físico, muita força e explosão. Se você o visse treinando com jogadores de 22 ou 23 anos, parecia que o Gabriel era mais velho”, diz Leal. Aos 18, o ponto fraco de Martinelli havia virado seu maior trunfo.
O chamado à seleção ocorreu quando o atacante atravessava sua melhor fase no Ituano. Destacou-se na Copa São Paulo de 2019 com seis gols em quatro jogos e, no Paulista, foi eleito a revelação. Seus seis gols ajudaram o clube a chegar às quartas de final e a retornar ao Brasileiro, na Série D. No total, foram dez gols em 31 jogos.
“O Gabriel sempre mostrou maturidade, tinha o instinto de participar e de treinar forte. Não precisava motivá-lo e tinha pouco a ser corrigido”, afirma o técnico Vinícius Bergantin, que o treinou na equipe principal do Ituano.
As boas atuações valeram um contrato de cinco anos com o Arsenal, em 2019, que investiu 6 milhões de libras (cerca de R$ 30 milhões, na cotação da época). Após um início promissor -dez gols em 26 jogos na temporada-, o jogador passou quase dez meses afastado em decorrência de uma lesão no joelho esquerdo e perdeu espaço.
A boa fase foi retomada no segundo semestre de 2021, depois de ajudar a seleção a conquistar o ouro olímpico no Japão. Na atual temporada, ao lado de Gabriel Jesus, Martinelli tem sido um dos destaques e anotou cinco gols em 19 partidas, convencendo Tite a levá-lo ao Qatar.
“Sua presença neste Mundial vai fazer com que se desenvolva ainda mais, pode ajudá-lo a ser um protagonista tanto na Copa seguinte como no futebol mundial”, diz Baldari.
“Ele sempre supera as expectativas. Quando vai bem no Arsenal, os jornalistas ingleses me ligam e eu respondo ‘espera, que vem coisa melhor’. E o Gabriel vai lá e se supera”, conclui Bergantin.