*Alexander Turra
Evidências científicas confirmam que o planeta está ficando mais quente e que as consequências do aquecimento global serão cada vez mais graves. Tempestades, ondas de calor, secas prolongadas e inundações são alguns dos fenômenos climáticos extremos que serão cada vez mais frequentes. Mesmo as projeções mais otimistas apontam riscos às vidas de milhões de pessoas nas próximas décadas e alertam para a possibilidade de extinção de centenas de espécies. Sim, é dramático!
Mas denunciar os problemas atuais não é o bastante. Precisamos avançar rapidamente na construção de modelos de desenvolvimento sustentável, que considerem o equilíbrio ecológico como condição para qualquer possibilidade de futuro. Nessa equação devemos considerar a biodiversidade e os benefícios que a natureza provê para as pessoas, o que considera as condições adequadas para uma vida digna para mais de 7 bilhões de seres humanos.
O Brasil, historicamente, tem tido uma atuação arrojada na agenda ambiental. Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, que estabeleceu o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como um de seus princípios, houve muitos acertos do poder público e da sociedade civil organizada quanto ao dever de proteger e preservar a natureza em benefício das futuras gerações.
A criação do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), em 1989, foi um exemplo efetivo desse compromisso constitucional. A partir da Eco-92, a histórica Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento realizada no Rio de Janeiro, inúmeros foram os marcos legais estabelecidos pelo País e reconhecidos como referências internacionais. Ainda na década de 1990 podemos destacar o Programa Nacional da Diversidade Biológica, de 1994, e a Lei de Crimes Ambientais, de 1998.
Com a virada do século, vieram novos marcos, como o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), em 2000, e a Política Nacional da Biodiversidade, em 2002. A primeira delimitação das Áreas Prioritárias para a Conservação, Utilização Sustentável e Repartição dos Benefícios da Biodiversidade foi proposta em 2004, enquanto o Painel Brasileiro de Biodiversidade (PainelBio) foi instituído em 2014. Merecem destaque também o Relatório sobre Gênero, Objetivos do Desenvolvimento Sustentável e Metas Nacionais, de 2016, e as Listas Vermelhas de Espécies Ameaçadas da Flora e da Fauna Brasileiras, que tiveram suas últimas revisões em 2014 e 2018.
Entretanto, nos últimos anos, a liderança brasileira tem seguido o caminho inverso. Além do aumento do desmatamento, são preocupantes os focos de incêndios, as invasões em áreas protegidas e as denúncias de agressões a comunidades tradicionais. Desde 2018, nenhuma nova unidade de conservação federal foi criada e, também, não houve reconhecimento de novas terras indígenas em nosso território. Além disso, notamos evidente enfraquecimento dos órgãos de fiscalização e controle, com sistemáticas reduções de quadro de funcionários, de recursos financeiros e de autonomia, resultando em evidente redução na proteção e no uso racional de nossos recursos, tanto de áreas terrestres quanto costeiro-marinhas.
Tais fatos chocam não apenas a sociedade brasileira como também a opinião pública internacional. Eles representam um revés no protagonismo internacional que o Brasil representava, o que se reflete nos posicionamentos do País nas discussões, tratados e conferências da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre biodiversidade e clima. Mas, se nos últimos anos o “clima” no Brasil é de desconfiança em relação às políticas ambientais, seu pioneirismo na agenda ambiental revela que é possível retomar esse caminho e recuperar o tempo perdido.
É necessário retomar a criação e a implementação de unidades de conservação, cujos processos se encontram há anos prontos no Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), além de estabelecer compromissos concretos a curto e médio prazos para a redução do desmatamento e incêndios florestais de nossos biomas e propor a imediata expulsão de madeireiros, grileiros e garimpeiros ilegais de nossas áreas protegidas.
O Congresso Nacional pode – e deve – cobrar o Executivo Federal para que tais medidas sejam priorizadas, bem como demonstrar proatividade barrando inúmeros projetos de lei que propõem retrocessos ao nosso arcabouço legal ambiental.
Uma retomada do protagonismo brasileiro também pressupõe a aprovação de leis benéficas ao meio ambiente. Um exemplo concreto seria o avanço da tramitação da chamada Lei do Mar (PL 6969/13), que cria a Política Nacional para a Conservação e o Uso Sustentável do Bioma Marinho Brasileiro, englobando o mar territorial, a zona costeira, as dunas e mangues, objetivando promover o uso sustentável dos recursos naturais, garantir a conservação da biodiversidade e prevenir impactos negativos a nossa costa.
Um dos princípios do PL 6969/13 é a sintonia com os acordos internacionais para a preservação do oceano e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU. Seria um gesto oportuno e necessário para que o Brasil proteja efetivamente sua biodiversidade marinha e fortaleça as bases para uma economia sustentável do oceano, além de mostrar ao mundo que podemos retomar a liderança nas políticas de conservação rumo a uma economia sustentável.
Mas para que esse processo de recuperação seja duradouro, mudanças mais estruturantes devem ser promovidas no País. Mudanças que levem ao fortalecimento da educação. Da educação para a autonomia, da educação emancipatória, da educação para transformação, cujo objetivo seja o desenvolvimento da visão crítica e do protagonismo social em um processo de construção de uma democracia participativa ambientalmente e socialmente justa. Essa é a chave para resgatar o Brasil do passado e promover o Brasil do futuro, superando o Brasil do presente.
*Alexander Turra é professor titular do Instituto Oceanográfico da USP e membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza