*André Ferretti
A mudança do clima tem despertado mais atenção a cada ano, especialmente durante as conferências realizadas pela Organização das Nações Unidas (ONU), que reúnem autoridades de quase 200 países, além de empresas e representantes de diferentes setores da sociedade civil. É natural que seja assim, devido ao tamanho do desafio que temos pela frente se quisermos manter a temperatura global não muito distante de 1,5 grau Celsius acima dos níveis pré-industriais.
Em novembro, durante a 27ª Conferência sobre Mudanças Climáticas da ONU (COP 27) realizada no Egito, o tema ganhou grande destaque mais uma vez, com extensa cobertura midiática realçando os pequenos avanços e os dilemas que seguem sem solução no curto prazo. Apesar das expectativas geradas para esses grandes encontros anuais, não surpreende que algumas COPs sejam concluídas com poucos acordos abrangentes e concretos. Diante dos múltiplos interesses dos países envolvidos, acredito, inclusive, que as negociações sobre as mudanças climáticas fiquem estacionadas nos próximos dois anos, até que tenhamos algum avanço na COP 30, que deve ocorrer no Brasil, em 2025, provavelmente na Amazônia.
Acompanho de perto as conferências do clima da ONU como observador credenciado pela Fundação Grupo Boticário desde 2009. Percebo que o rodízio entre os continentes para sediar a COP, apesar de positivo por diversos aspectos, traz desafios enormes para o avanço das negociações, muitas vezes com países anfitriões sem muita tradição e força diplomática para liderar a costura de acordos mais ousados.
Após certa decepção com o texto final da COP realizada no Egito, exceto pela histórica aprovação de um fundo para perdas e danos para beneficiar os países mais vulneráveis, que ainda precisa ser regulamentado, as próximas conferências serão realizadas no Oriente Médio (Dubai, em 2023) e no leste europeu (provavelmente Bulgária ou República Checa, em 2024), países que também não possuem tanto peso na diplomacia global.
Em relação à COP 28, a grande expectativa é saber como os Emirados Árabes Unidos, país que é o sétimo maior produtor de petróleo do mundo e o terceiro maior exportador do óleo, de acordo com a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), vai conduzir as negociações sobre as restrições aos combustíveis fósseis. Quanto à COP 29, que deve ocorrer em região próxima a uma zona de guerra, com todas as implicações energéticas que isso vem trazendo para a Europa, as interrogações também pairam sobre a capacidade de avanços reais nesse ponto.
Vale lembrar que, além de causar fortes impactos econômicos e sociais, a guerra obrigou países europeus a usarem fontes de energia mais poluentes, incluindo carvão mineral. Isso provoca o aumento das emissões de gases do continente, afetando também a atuação dos membros do bloco nas negociações para a redução de emissões de gases de efeito estufa, pelo menos neste momento.
Todo esse cenário cria uma expectativa ainda maior para uma possível COP 30 no Brasil, especialmente se o governo do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva conseguir levar à frente suas promessas na área ambiental. O Brasil tem grande chance de reassumir o protagonismo que tinha nas COPs e liderar iniciativas em direção a uma economia verde, principalmente se conseguir mostrar serviço reduzindo o desmatamento em seus biomas, sobretudo na Amazônia, além de um firme combate às queimadas e a outros crimes ambientais.
É importante ressaltar que, em 2025, está programada a revisão das metas de redução de emissões dos países, após o fim do primeiro ciclo de cinco anos de implementação do Acordo de Paris. Será um momento-chave para avaliar os esforços de redução de emissões fixados até 2030, lembrando que na ocasião teremos apenas mais cinco anos para alcançar a meta de redução de 43% nas emissões globais, tendo como base o ano de 2019. Será um marco para tentar viabilizar o objetivo de chegar à “emissão zero” até 2050, mantendo vivo o compromisso assinado na França em 2015.
O Brasil pode contribuir com o tão esperado e necessário aumento da ambição nas reduções de emissões globais e na ajuda aos países mais pobres e vulneráveis para lidarem com os impactos das mudanças climáticas. O novo governo tem a chance de avançar em questões de descarbonização da economia e em medidas de mitigação e adaptação aos efeitos dos eventos extremos em todo o território nacional, especialmente no planejamento urbano.
O país tem totais condições de fortalecer estratégias de adaptação às mudanças do clima, utilizando o imenso patrimônio natural para desenvolver a chamada bioeconomia, atraindo novos investimentos. Lembrando que, enquanto a redução das emissões gera impacto global e depende de negociações de alto nível entre os países, a responsabilidade pelas ações de adaptação deve ser compartilhada entre os governos subnacionais, envolvendo estados e municípios. Ou seja, medidas de mitigação ou redução de emissões podem ser adotadas em qualquer local, tendo o mesmo resultado, já que terão reflexo na concentração de gases de efeito estufa na atmosfera. Já ações de adaptação às mudanças do clima precisam ser feitas localmente para que sejam efetivas para suprir necessidades específicas de comunidades ou cidades.
Nessa direção, a disseminação das Soluções Baseadas na Natureza (SBN) também deve ganhar espaço, pois é uma opção viável – e necessária – para o planejamento das cidades, capaz de endereçar desafios como a segurança hídrica, a mitigação de impactos gerados por enchentes e inundações, ilhas de calor, insegurança alimentar por desequilíbrios na produção agrícola, entre outras consequências do aquecimento do planeta e dos eventos climáticos extremos que assolam o mundo todo e tendem a ser intensificados nos próximos anos. As SBN têm papel importante nessa estratégia, reduzindo custos, ampliando os benefícios e aumentando resultados.
Daqui em diante, é importante construir no País mais pontos de convergência e cooperação a partir dos territórios e demandas locais, envolvendo também os setores empresariais, as ONGs e os movimentos sociais. Os desafios são enormes, mas o Brasil pode ser um dos protagonistas na transição para uma economia global mais sustentável, combinando políticas públicas, investimentos privados e engajamento da sociedade.
*André Ferretti é engenheiro florestal, gerente sênior de Economia da Biodiversidade da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza e membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN).
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