A partir desta semana, começa a volta às aulas em todo o Brasil e, embora a pré-escola seja obrigatória no País a partir dos 4 anos, há mais de 330 mil meninas e meninos de 4 a 6 anos longe da pré-escola — a maioria, crianças pretas, pobres e filhas de mães jovens e de baixa escolaridade. O Sul se destaca negativamente com uma das maiores desigualdades na frequência escolar entre pobres (85,5%) e não pobres (94,6%) – uma diferença de 8,8%.
É o que revela a pesquisa “Desigualdades na garantia do direito à pré-escola”, lançada pela Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal em parceria com o Fundo das Nações Unidas para a Infância — UNICEF e a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação UNDIME.
O estudo mostra que o Brasil vinha avançando lentamente no acesso à pré-escola nas últimas décadas. Em 2019, 94,1% das crianças brasileiras frequentavam a pré-escola, deixando 5,9% fora dela — apesar da previsão de universalização desta etapa até 2016 pelo Plano Nacional de Educação (PNE) 2014-2024. No Sul, esse índice é de 93,6%.
Com a pandemia da covid-19, o cenário se inverteu. Embora não haja dados consolidados para os últimos anos, uma análise das taxas de matrícula durante a pandemia, revela que ocorreu, apenas em 2021, uma queda de 275 mil matrículas na pré-escola.
“Infelizmente, nós ainda não tivemos acesso aos dados consolidados de 2019 para cá, mas nós já temos estudos que indicam uma queda dramática das matrículas dessas crianças na pandemia, o que torna o cenário ainda mais preocupante e demanda uma ação coordenada das três esferas de governo com as famílias e as redes de ensino nesta volta às aulas, identificando e localizando essas crianças que não estão tendo seu direito assegurado”, avalia Mariana Luz, CEO da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal.
Além de todas as crianças não terem o direito assegurado, a pesquisa traz outro alerta importante: crianças pretas, pobres e filhas de mães jovens e de baixa escolaridade são as que têm maior risco de não frequentar a pré-escola. Há também desigualdades regionais, estaduais e entre crianças do campo e das cidades.
Mudar esse cenário é urgente e demanda ações concretas, voltadas ao enfrentamento da exclusão escolar. Sabendo que a Educação Infantil é ofertada, prioritariamente, nas redes municipais de ensino, a pesquisa recomenda aos gestores municipais:
- Planejar a expansão de vagas, com especial atenção aos públicos mais vulneráveis identificados neste estudo;
- Identificar e localizar as crianças que não estão matriculadas na pré-escola, utilizando estratégias como a Busca Ativa Escolar;
- Sensibilizar as famílias para a importância da Educação Infantil;
- Articular ações intersetoriais, integrando saúde, assistência social e educação para a promoção do direito à pré-escola às crianças;
- Contribuir para a efetivação do regime de colaboração, conhecendo quais programas e políticas federais e do seu estado estão ativos para a Educação Infantil e em quais seu município pode ser participante, além de demandar destes entes uma maior participação no regime.
“Essas recomendações são importantes e merecem atenção, sobretudo quando falamos de ações conjuntas, em regime de colaboração envolvendo União, estados e municípios. Temos governadores que foram empossados recentemente e é estratégico que essas recomendações cheguem neles, para que estados e municípios trabalhem juntos pela garantia do direito à educação de cada criança”, destaca o presidente da Undime, Luiz Miguel Garcia, Dirigente Municipal de Educação de Sud Mennucci/SP.
Confira, a seguir, mais detalhes sobre os perfis da exclusão na pré-escola com destaques para a região Sul do País.
Raça e Renda – Segundo os dados, no Brasil de 2019, a frequência escolar de crianças pretas, pardas e indígenas era menor (91,9%) que a de crianças brancas ou amarelas (93,5%). No Sul o índice de crianças brancas e amarelas é 91,2% enquanto o de pretas, pardas e indígenas é 89%. Em relação aos estados, Rio Grande do Sul é o que apresenta índices mais baixos de escolarização entre de crianças brancas e amarelas e pretas, pardas e indígenas (87,1% e 84,7%). Os outros estados registram os seguintes índices PR (93,4% brancas e amarelas e 90,1% pretas, pardas e indígenas) e SC (94,3% brancas e amarelas e 93,4% pretas, pardas e indígenas)
Em relação à renda das famílias das crianças fora da pré-escola no Brasil, enquanto a taxa de frequência das crianças em situação de pobreza era de 92% em 2019, a de crianças que não estavam nesta situação era de 94,8%.
O Sul se destaca negativamente com a maior taxa de desigualdade na frequência escolar – uma diferença de 8,8% (94,6% não pobre e 85,5% pobre). Rio Grande do Sul é o estado da região com maior desigualdade (14,9%) entre não pobre (92,3%) e pobre (77,4%). Santa Catarina é de 4,6% entre não pobre (96,9%) e pobre (92,3%) e Paraná é de 4,6% entre não pobre (95,2%) e pobre (90,6%).
“Crianças pretas e pobres são, historicamente, mais vulnerabilizadas no Brasil e essa desigualdade no acesso à educação infantil privilegia alguns grupos em detrimento de outros, afinal as crianças pretas e pobres que não frequentam a pré-escola têm menos acesso a estímulos, interações, alimentação e segurança. Isso pode comprometer o desenvolvimento, impactar a progressão e a transição para as etapas de ensino sequentes, além de reproduzir desigualdades que atrasam o nosso país”, explica Maíra Souza, Oficial de Primeira Infância do UNICEF no Brasil.
Idade, escolaridade e ocupação materna – “Desigualdades na garantia do direito à pré-escola” também analisou as características maternas e como isso interfere na frequência escolar das crianças. Os resultados indicam que as filhas e filhos de mães mais jovens, menos escolarizadas e com trabalhos informais têm menores taxas de frequência escolar.
As análises da pesquisa revelam que a escolaridade da mãe é o recorte que apresenta a maior desigualdade entre um grupo e outro de crianças entre as regiões. Em 2019, a taxa de frequência de meninas e meninos cujas mães não possuíam ensino fundamental completo era de 91,1% contra 95,3% daquelas que possuíam.
Neste mesmo ano, o Sul apresentou a seguinte taxa de escolarização de filhos de mães sem Ensino Fundamental completo: 86,8%. Já o índice para mães com ensino médio completo é de 95,6%. Os índices dos estados para mães sem o Ensino Fundamental Completo e com Fundamental completo são, respectivamente: Paraná (90,2% e 95,7%) Santa Catarina (94,1% e 97,4%) e Rio Grande do Sul (80,0% E 94,1%) – estado com a segunda maior lacuna, no Brasil, no atendimento entre os grupos (14,1 p.p.), atrás somente do Acre (16,3 p.p.).
Em relação à frequência escolar para crianças filhas de mães com trabalhos informais, o índice no Sul é de 93,4%. Nos estados, as taxas de frequência escolar por mães na informalidade é de: Paraná, 94,7%, Santa Catarina, 96,8%, e Rio Grande do Sul, 90,4%.
“Embora esses dados indiquem que as desigualdades são maiores nos recortes maternos, nós percebemos que esses marcadores, infelizmente, também são característicos de mulheres pretas e pobres no nosso país, como mães jovens, de baixa escolaridade e trabalho informal”, avalia Mariana Luz. “Isso indica que o problema não é exclusivo no acesso à educação, mas é também de emancipação das mulheres e dos negros, além da quebra de ciclos intergeracionais de pobreza”, finaliza a CEO da Fundação.
Com o apoio técnico da Quantis Consultoria, o estudo avaliou as taxas de frequência de crianças na pré-escola segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC) de 2019, da PNAD (2005-2015) e do Censo Demográfico (2010), com análises produzidas em 2019. A ausência de resultados mais recentes se dá pela não publicação de novos dados da PNAD sobre o tema.
A pesquisa “Desigualdades na garantia do direito à pré-escola” olhou para outros recortes de frequência escolar, como condição de monoparentalidade e situação do domicílio das crianças.