GUSTAVO ZEITEL
TRANCOSO, BA (FOLHAPRESS) – Um dinossauro invade o palco do teatro LOccitane, em Trancoso, no sul da Bahia, e empunha um violino. Acompanhado pela Orquestra Sinfônica da Bahia, a Osba, ele usa suas mãozinhas para interpretar a trilha do americano John Williams para o filme “Jurassic Park”, clássico de Steven Spielberg, lançado há três décadas.
O temível dinossauro era, óbvio, uma violinista da orquestra, que na noite da sexta-feira, estava toda vestida com roupas de personagens de séries e filmes blockbuster. As violas eram uma trupe de smurfs, aquelas criaturinhas azuis da série dos anos 1980, o clarinetista estava de Forrest Gump, personagem de Tom Hanks no filme homônimo de 1994, e o primeiro violoncelista se travestiu de violoncelista de “Tár”, obra de Todd Field que neste ano concorreu ao Oscar de melhor filme.
O CineConcerto da Osba, já tradicional no teatro Castro Alves, em Salvador, foi apresentado no terceiro dia do Festival Música em Trancoso, borrando os limites entre a ficção e a realidade. Parecia, de fato, que a plateia estava diante da cena final de “Tár”, em que a regente Lydia Tár, interpretada por Cate Blanchett, cancelada e no ostracismo, conduz uma orquestra no sudeste asiático, que executa trilhas de filmes.
“O Sudeste pensa que estamos substituindo Beethoven por John Williams, mas não fazemos só programas com trilhas, essa é uma arma para conquistarmos o nosso público”, diz o maestro Carlos Prazeres, da Osba, que tem causado polêmica na música de concerto do Brasil.
Em todas as apresentações da Osba durante o festival, ele atuou como um animador de programa de auditório ou um humorista num show de comédia stand-up, interagindo a todo instante com a plateia, entre piadas e explicações sobre as peças do programa.
No primeiro dia do festival, a orquestra também havia optado por um percurso popular, apostando numa espécie de “sucessos da música de concerto”, reunindo o “Prelúdio” da ópera “Carmen”, de Georges Bizet, e o “Bolero”, de Maurice Ravel.
“A música de concerto precisa se olhar no espelho e acordar do transe que ela vive”, afirma Prazeres. “Copiamos um modelo questionado na Europa e trazemos para o Brasil, país de características tão distintas, sendo que hoje não temos quantidade suficiente de melômanos da elite para lotar a Sala Cecília Meireles.” Por isso, Prazeres aposta em transformar os concertos em “experiências sensoriais”.
“A humanidade esperava uma sinfonia de Beethoven, como esperamos hoje pelo novo filme do Tarantino, só que isso acabou”, diz ele. Prazeres se tornou uma das principais figuras do festival, tanto que seu comportamento, ao fim dos concertos, chamava mais a atenção do público do que a própria música. Bem diferente de Lydia Tár, ele foge do estereótipo do maestro, um tipo bonitão, com jeito de surfista e tatuado, que causou “ais” e “uis” em mulheres e homens.
O Festival Música em Trancoso foi idealizado pelo austríaco Reinold Geiger, presidente da marca de cosméticos LOccitane e dono de uma fortuna estimada em US$ 1,6 bilhão, segundo a revista Forbes.
Ele tem casa em Trancoso, e o festival foi uma forma de agradecer o carinho dos habitantes da cidade baiana. Depois do carnaval, Trancoso vivia um marasmo econômico, com o fim da temporada turística. O festival, desse modo, consegue estender a alta temporada. Segundo Geiger, o principal desafio agora é tornar o festival autossustentável.
A primeira edição ocorreu em 2012 numa estrutura montada e, dois anos depois, Geiger inaugurou, com recursos próprios, o teatro LOccitane, um anfiteatro grego do terceiro milênio desenhado pelo arquiteto luxemburguês François Valentiny.
Em caso de chuva, um teatro coberto se encaixa dentro da estrutura da arquibancada, com outra plateia inclinada e um palco. O teatro é delimitado por estradas de terra, um disco voador no meio do nada, que fica dentro do Instituto TerraVista, que é sede de um condomínio de casas e um imenso campo de golfe.
Até 2019, ano da última edição, o festival tinha oito noites e quase todo o repertório era dedicado à música de concerto. Agora com quatro noites, a organização do festival acatou a demanda da população local e incluiu a música popular, com shows das cantoras Alcione e Marisa Monte. No fim dos concertos, a película é trocada sai “Tár”, entra “White Lotus”.
A primeira temporada da série da HBO mostra poderosos aportando num resort tropical e enlouquecendo os funcionários das acomodações, cada um com seu desígnio. No gramado do campo de golfe, era possível avistar uma centena de réplicas da personagem Tanya, personagem da atriz Jennifer Coolidge, que foi sucesso de público e crítica.
Ali, todo o público pode aproveitar os bares que se espalham pelo descampado, bebericando um drinque e as comidinhas antes do teatro se transformar numa balada tropical. Passaram pelo festival o casal de arquitetos Sig Bergamin e Murilo Lomas e as atrizes Bruna Lombardi e Debora Bloch, além de Kitty e João Assis, que abriram sua casa para um jantar nababesco em homenagem ao festival.
Também esteve presente a socialite Fátima Scarpa, irmã de Chiquinho Scarpa, o autointitulado conde. Com quase 300 mil seguidores no Instagram, Fafá faz sucesso e provoca polêmicas, dando dicas de etiqueta. Detalhista, ela ensina a como comer uma ostra ou tirar o caroço da melancia. No primeiro dia, usou um longo vestido verde e um portentoso par de brincos de esmeralda. Depois, aproveitou o show de Alcione e Marisa Monte.
No último dia, a atriz Marina Ruy Barbosa compareceu ao evento, ofuscando todas as beldades ao seu redor. Seu cabelo ruivo estava ondulado, usava um vestido longo e prateado e calçava uma sandália, indicando adesão à moda praia. “Já vim algumas vezes a Trancoso, mas é a minha primeira vez no festival, sou muito fã da Marisa Monte, cresci escutando as canções dela”, disse Ruy Barbosa.
Ela conta que viverá uma cantora e traficante em “Rio Connection”, que estreia ainda no primeiro semestre no Globoplay. Com Renata Sorrah e Romulo Arantes, a série é falada toda em inglês e sua trama revive o momento em que, nos anos 1970, o Rio de Janeiro foi usado como um dos portos da máfia italiana.
“Preparei a minha voz, porque faço uma cantora e tive que estudar a fundo a língua, achei muito interessante esse papel, estou curiosa para ver o resultado da série”, diz ela.
Em noites de boa música e glamour, não é possível exagerar no espumante. As estradas da cidade são todas de terra, a pedidos dos próprios moradores. É preciso ter cuidado para não mudar o filme e trocar “White Lotus” por “Triângulo da Tristeza”.
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O jornalista viajou a convite do festival