GUILHERME LUIS
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Anitta acaba de se divorciar. Ela rompeu no mês passado com Warner Music depois de expor nas redes sociais as ranhuras do relacionamento de 11 anos. Para a cantora, a gravadora a boicotava e não autorizava o lançamento de suas músicas, a ponto de afirmar que leiloaria os próprios órgãos se precisasse pagar uma multa exorbitante para quebrar o contrato.
Anitta não é a única que esteve em crise com sua gravadora. Ludmilla disse que tirou dinheiro do bolso para financiar um DVD e, mesmo assim, a Warner teria lucrado mais do que ela. Thiaguinho rompeu com a Som Livre há dois anos alegando quebra de confiança e desinteresse em sua carreira. Procuradas pela Folha, as empresas não comentam os casos.
Se antes os imbróglios eram resolvidos entre quatro paredes, na presença de executivos engravatados, agora os cantores têm levado suas insatisfações às redes sociais na tentativa de contar com a opinião pública a seu favor.
Luísa Sonza é outro exemplo disso. Em março, gravou um vídeo às lágrimas para reclamar de um impasse com sua ex-gravadora, a Universal, porque queria lançar a filmagem de um show feito quando o contrato estava vigente.
Assim, “Universal libera a Luísa” virou uma das frases mais publicadas no Twitter. Na mesma época, o rapper Matuê engrossou o caldo, ao afirmar num podcast que artistas devem tomar cuidado com promessas de grandes selos.
Anitta disse ter ouvido da Warner que não conseguiria fazer sucesso com “Envolver”, o maior hit de sua carreira, sem dividir os vocais com outro artista já estabelecido no mercado estrangeiro. Afirmou ainda que a gravadora só oferecia dinheiro para promover uma música que já estivesse viralizando na internet.
É um sinal dos tempos, diz Carlos Mills, presidente da Associação Brasileira da Música Independente. O cenário era muito diferente nas décadas de 1970 a 1990, quando artistas dependiam de suas gravadoras para quase tudo.
Eram elas, afinal, que ofereciam estúdios para gravação de músicas, levavam os CDs às prateleiras das lojas Brasil afora e depois promoviam o artista com entrevistas em emissoras de rádios e em programas de televisão.
“Tem muito artista em gravadora multinacional que já faz sucesso e quer ser independente para ter controle da carreira. Ele tem um time de marketing e uma equipe de promoção, então não tem muito o que uma gravadora possa oferecer”, diz Alex Schiavo, que foi presidente da Sony Music por 25 anos e hoje é diretor artístico da distribuidora Altafonte.
Os Beatles são prova de que esta relação sempre foi conturbada. Em busca de liberdade criativa, o grupo britânico criou em 1960 o próprio selo fonográfico, a Apple Records. Hoje, é mais fácil, já que é possível gravar dentro de casa, lançar músicas por conta e contar com a internet para emplacar um hit.
Foi o que aconteceu com Billie Elish, que dispensou os estúdios potentes da gravadora Interscope Records quando gravou o premiado disco “When We Fall Asleep, Where Do We Go?” num quartinho de casa com seu irmão, Finneas O’Connell, que se tornou um produtor de sucesso.
A tendência também é vista no Brasil. Marina Sena é uma das novas vozes que despontaram sem o suporte de uma gravadora. Foi o que aconteceu com “Por Supuesto”, do disco “De Primeira”, que viralizou no TikTok e chegou ao topo das mais tocadas do Spotify. Agora ela lança seu segundo disco sob a alçada da Sony após assinar um contrato em fevereiro.
Por outro lado, dizem os executivos, ainda pode ser vantajoso estar numa gravadora. É mais fácil, principalmente para os iniciantes, alcançar as playlists mais acessadas das plataformas de streaming e estar nos programas badalados da televisão se houver o batismo de um selo conhecido no mercado.
Quem decide se uma música vai ou não entrar numa playlist de sucesso é a plataforma, mas a gravadora tenta mexer seus pauzinhos, diz Lena Pelosi, gerente de marketing da Som Livre. “Apresentamos a música para os parceiros, como YouTube e Spotify, em reuniões periódicas. Mantemos relacionamento com essas plataformas para muni-las de informações para que elas abracem o lançamento.”
É inegável, no entanto, que nos últimos tempos criou-se nas redes sociais uma imagem vilanesca em torno das gravadoras. Kamilla Fialho, que foi empresária de Anitta até 2014, evita esmiuçar o caso da cantora, mas não doura a pílula.
“As gravadoras têm um poder financeiro maior. Eles podem adiantar quantias para os artistas para que depois isso seja pago através dos royalties. Só que 90% dos artistas usam o dinheiro para comprar casa, carro e bens materiais e outros 10% usa para investir na própria carreira”, diz.
Ela afirma que, quando a lavação de roupa suja se torna pública, artistas novatos podem ficar confusos na hora de escolher o melhor caminho. “As pessoas na internet definem quem é vilão e mocinho e seguem a manada. Acredito que as gravadoras vão fazer alguma campanha educativa sobre isso.”
Pelosi, da Som Livre, reitera a percepção da empresária. “Quando o artista se posiciona nas redes, é uma pessoa falando. Quando a empresa se manifesta, é só uma nota fria da assessoria falando. O discurso fica desigual.”
Schiavo faz coro, mas com ressalvas. “As gravadoras não são demônios. Pelo contrário. Tem muita gente que ama música ali”, diz. “Esse é só o tipo de negócio que eles têm. Embora eu ache que o mercado realmente esteja muito imediatista. Sobrou pouco espaço para se investir em carreiras de longo prazo.”
Na guerra de versões, nem tudo fica claro. Anitta, por exemplo, não costumava ser clara em relação à briga com a Warner. No Twitter, disse a um fã que não havia multa que ela pudesse pagar para quebrar o contrato, dando a entender que estava presa à gravadora, que, por sua vez, não se pronunciava sobre nada.
Ela assinou com a Warner em 2013 e renovou o contrato em 2020. Menos de um mês depois de romper com o selo brasileiro, fechou acordo com Republic Records, casa de nomes como Taylor Swift e The Weeknd, sem detalhar o que a levou a fechar a nova parceria.
Fialho, que trabalhava com Anitta, diz ver com bons olhos o debate, mas acredita que a maneira como ela esteja acontecendo não é adequada. “Essa discussão tinha que ser provocada pelos artistas, mas precisa ir além da internet. Não dá para só tacar uma bomba e deixar todo mundo confuso.”