*Renato Benvindo Frata
Ela costurava panos. De prato, chão, mão, banho.
De saco de açúcar lavado, alvejado, amaciado.
Acrescentava-lhes redes tecidas em barbante, chamadas franjas, construídas com os próprios fios.
Uma vez inventou bordar panos com os dias da semana e aí veio o problema que lhe tirou o sono: não sabia escrever.
O som das letras, as formas das letras, a maciez das letras, a junção das letras nas palavras e o mistério delas desvendando o conhecimento, não haviam passado pelo dicionário de suas mãos ágeis em agulha e linha, mas analfabetas.
Crescera limpando, cuidando, recebendo ordens.
Casara limpando, parindo, cuidando, recebendo ordens.
E costurando noites sob a fumaça da lamparina.
Na máquina à manivela, presente do pai.
Não tivera lápis, nem cadernos.
Nunca lhes foram ofertados.
Nem o ABC pelo marido letrado, ou pelos filhos botados na escola.
Em meio à aflição e diante dos panos virgens, uma filha riscou “Segunda-Feira”, num deles.
Extasio: ela iria escrever pela primeira vez.
Emocionada, dispôs as sete cores para os bordados.
Qual seria a da segunda?
O rosa, bisbilhotei; o azul, sugeriu a que escrevera; o verde, falou outra; o negro, quis o marido; o amarelo, opinou um dos meninos; o vermelho, indicou o outro.
Olhou-nos, assuntou-nos e, pela primeira vez, decidiu: – lilás, da cor do manto de Maria, no Gólgota.
Linha escolhida, panos riscados, um súbito mal-estar lhe turvou a visão. Sentou-se, abanou-se e disse em voz trêmula para despistar a emoção, diante das letras:
As agulhas estão agitadas… ansiosas para escrever…
Olhamo-nos. Em silêncio e com respeito às suas emoções.
Saímos deixando-a a se deliciar com a ideia de escrever, mesmo que fosse entrelaçando linhas para compor as letras.
O S de Segunda, para ela, exporia o ventre das letras que aniquila o analfabetismo. Mas, ingratos, não fomos capazes de perceber que, ao tecer suas franjas nas tramas do tecido transformando-as em pequenas redes feitas de nós nas toalhas de saco lhes dando alma e sensibilidade, ela escrevia sem o saber, as palavras “família”, “amor”, “carinho”, “abnegação”, “respeito”. E vontade, superação!
Escrevia “Vida!”.
Coisas de mãe, que fazem da rusticidade das mãos a grandiosidade de seu ser.