*Paulo R. Haddad
Os economistas, quando são convocados para elaborar e implementar uma política pública, quase sempre se deixam guiar pelos princípios da eficiência. Definem os objetivos da política; quantificam esses objetivos em metas; selecionam os instrumentos de intervenção mais apropriados para que os objetivos sejam atingidos; e estabelecem mecanismos de controle e avaliação para acompanhar a eficiência e a eficácia da política. Uma atitude tipicamente panglossiana ou ingênua de quem acredita que uma fórmula aritmética seja capaz de eliminar os conflitos distributivos em torno da escala e da composição dos gastos públicos.
Tudo isso produz um sistema coeso e exato, que permite aos economistas falarem sobre a política, com otimismo, sobre os resultados esperados. Esse otimismo leva-os, quase sempre, a despir a política econômica de redundâncias protetoras. As redundâncias, que normalmente são interpretadas como formas de desperdício, são, na verdade, salvaguardas corretivas dos rumos usualmente menos adotados.
A pobreza, por exemplo, pode ser considerada uma falta de redundância. Um país que não dispõe de alternativas para resolver um mesmo problema é um país pobre: somente uma única estrada para ir do ponto A ao ponto B; falta energia em uma região e não há dispositivos compensatórios de abastecimento; etc. Desastres e catástrofes socioeconômicas resultam, normalmente, da falta de redundâncias para resolver problemas. Um bom exemplo de redundâncias protetoras está na Constituição de 1988: se não houver melhoria na distribuição da renda e da riqueza no País, as políticas sociais compensatórias irão funcionar como salvaguardas corretivas.
Os economistas, cada vez mais, estão trabalhando profissionalmente com modelos abstratos, que incorporam, cada vez menos, componentes institucionais e psicossociais da realidade sobre a qual intervêm e, portanto, diminuem significativamente a sua capacidade de predizer as mudanças que podem ocorrer a partir dos instrumentos que controlam. Ao formular uma política econômica não são capazes de perceber quais serão as demandas políticas necessárias e as negociações inevitáveis para a sua implementação.
Por isso, é sempre recomendável que, na concepção das políticas econômicas, se substituam as normas de eficiência por normas de confiabilidade, as quais se orientam mais para evitar o fracasso do que para garantir um retumbante sucesso. O uso das normas de confiabilidade estimula uma participação mais ampla de atores com formação profissional diferenciada para abrir os horizontes dos economistas, com suas ideologias primárias da realidade social, construídas a partir de modelos abstratos da macroeconomia das quantidades globais. Permite, também, cobrir as políticas econômicas de redundâncias protetoras, tornando-as mais resistentes a choques exógenos, a efeitos inesperados e às falhas comuns nas predições condicionais. Para cada proporção normativa de política econômica deve haver uma ressalva que possa proteger o País das incertezas do futuro econômico, das instabilidades políticas, dos interesses velados.
No caso do controle dos gastos públicos, creio que a Emenda Constitucional nº 95, que criou o Novo Regime Fiscal dos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social da União, foi uma decisão correta, consensualizada e conscientizada politicamente entre os três Poderes da República. A partir da experiência realizada com sua implementação, em um contexto de pandemia e de recessão mundial, há algumas salvaguardas corretivas que se fazem necessárias. A principal seria a de incluir um parágrafo em que “as despesas primárias podem ter um acréscimo de até 10%, mediante aprovação do Congresso Nacional, em situações que configurem catástrofes ambientais ou sociais, recessão econômica ou profunda crise da economia mundial”.
A grande vantagem desse Regime Fiscal é a sua simplicidade para fins de controle político; para acompanhamento pela opinião pública e pelos meios de comunicação; principalmente, para evitar que o Poder Executivo fique no campo de incertezas quanto aos recursos fiscais que irá dispor no início de cada ano, submetido a novas condicionantes aritméticas para prever as negociações políticas necessárias face à avalanche de demandas que virão para reduzir os problemas de reconstrução institucional de uma administração pública que foi desmantelada, das desigualdades sociais e regionais que se aprofundaram, da modernização da infraestrutura econômica e social, etc.
Os economistas, para preservar a eficiência de suas propostas de políticas econômicas, são capazes de negociações inusitadas e estranhas ao capital político que conduziu ao Poder a administração a qual servem. O capital político é um processo de acumulação de reconhecimento, de popularidade, de apoio e de aceitação pública que se processa ao longo do tempo. Não pode ser depreciado na mesa de negociação em uma relação de “toma lá, dá cá”. Principalmente, quando se negociam os mecanismos e instrumentos indispensáveis para o processo de desenvolvimento sustentável do País, como é a controvérsia atual sobre o esvaziamento institucional do Ministério do Meio Ambiente, o qual, na verdade, deveria ser empoderado para ter funções de coordenação geral por causa da transversalidade ecossistêmica das ações governamentais.
Além do mais, o primeiro ano da atual administração vai sendo tomado principalmente pelas discussões para o fortalecimento do questionável modelo fiscal expansionista, enquanto se aprofundam assimetrias sociais de uma sociedade dividida e de uma economia semiestagnada. Como dizia Keynes, em 1919, durante a discussão do Tratado de Versailles: “Os homens nem sempre morrem silenciosamente. Porque a fome, que traz alguma letargia e um desespero desamparado, leva outros temperamentos à instabilidade nervosa de histeria e de louca aflição”.
*Paulo Haddad é membro do conselho consultivo no Instituto Fórum do Futuro. Economista, com especialização em Planejamento Econômico no Instituto de Estudos Sociais de Haia – Holanda, Professor Emérito da Universidade Federal de Minas Gerais, ex-Ministro da Fazenda e do Planejamento. Presidente da PHORUM Consultoria e Pesquisas em Economia e Diretor da AERI – Análise Econômica Regional e Internacional