VIVER SEM MEDO…
O senhor pede-nos no evangelho da Missa que vivamos sem medo, como filhos de Deus.
Às vezes, encontramos pessoas angustiadas e atemorizadas pelas dificuldades da vida, por acontecimentos adversos e por obstáculos que se agigantam quando só se conta com as forças humanas para enfrentá-las. Vemos também por vezes cristãos que parecem atanazados por um medo vergonhoso de falar claramente de Deus, de dizer não à mentira, de mostrar, quando necessário, a sua condição de discípulos fiéis de Cristo; têm medo do que podem dizer, do comentário desfavorável, de chamar a atenção… E como é que um discípulo de Cristo não haveria de chamar a atenção em ambientes de costumes paganizados, em que os valores econômicos são muitas vezes os valores supremos?
Jesus diz-nos que não nos preocupemos demasiado com a calúnia e a murmuração, se nos chegam a atingir. Não os temais, pois, porque não há nada oculto que não venha a descobrir-se. Que pena se mais tarde se viesse a descobrir que tivemos medo de proclamar aos quatros ventos a verdade que o Senhor nos confiou! O que vos digo em segredo, dizei-o à luz, e o que vos digo ao ouvido, pregai-o sobre os telhados. Se alguma vez nos calamos, que seja porque nesse momento o mais oportuno é calar-se por prudência sobrenatural, por caridade; nunca por temor ou por covardia. Nós, os cristãos, não somos das sombras e dos cantos escuros, mas da luz, da claridade na vida e na palavra.
Vivemos uns tempos em que é mais necessário proclamar a verdade sem ambigüidades, porque a mentira e a confusão imperam por toda a parte. A sã doutrina, as normas morais, a retidão de consciência no exercício da profissão ou à hora de se viverem as exigências do matrimônio, o simples senso comum… gozam algumas vezes de menos prestígio, por absurdo que pareça, do que uma doutrina chocante e errada, que se qualifica de “valente” ou a que se dá um colorido de progresso.
Não tenhamos medo de perder o brilho de um prestígio apenas aparente, ou de sofrer a murmuração ou até a calúnia, por não irmos contra a corrente ou contra a moda do momento.
Sem medo à vida e sem medo à morte, alegres no meio das dificuldades, esforçados e abnegados perante os obstáculos e as doenças, serenos perante um futuro incerto: o Senhor pede-nos que vivamos assim. E isto será possível se considerarmos muitas vezes ao dia que somos filhos de Deus, especialmente quando somos assaltados pela inquietação, pela perturbação e pelas sombras da vida. Não se vendem dois passarinhos por um asse? Contudo, nem um deles cai na terra sem a permissão do vosso Pai. Quanto a vós, até mesmo os cabelos da vossa cabeça estão todos contados. Portanto, não temais; valeis mais que muitos passarinhos.
Mas o Senhor está comigo, como soldado forte, diz-nos o profeta Jeremias na primeira leitura da Missa. É o grito de esperança e de segura confiança do Profeta, quando se encontra só, no meio dos seus inimigos. Meu Pai-Deus está comigo como soldado forte, podemos nós repetir sempre que vejamos o perigo rondar-nos e o horizonte fechar-se. O Senhor é a minha luz e a minha salvação, a quem temerei?
Devemos ser fortes e valorosos diante das dificuldades, como é próprio dos filhos de Deus: Não tenhais medo dos que matam o corpo, mas não podem matar a alma; temei antes aquele pode fazer perder a alma e o corpo no inferno. Jesus exorta-nos a não temer nada, exceto o pecado, que tira a amizade com Deus e conduz à condenação eterna.
Ordinariamente, no entanto, devemos manifestar a nossa fortaleza e valentia em situações menos transcendentes: recusando com bons modos, mas com firmeza, um convite para ir a um lugar ou para assistir a um espetáculo em que um bom cristão deve sentir-se mal; manifestando desacordo com determinada orientação que os professores querem dar à educação dos nossos filhos; cortando essa conversa menos limpa ou convidando um amigo a umas aulas de formação cristã… Muitas vezes, são as pequenas covardias que refreiam ou impedem um apostolado de horizontes amplos. Paralelamente, são também “as pequenas valentias” que tornam uma vida eficaz.
(texto tirado de: Falar com Deus, de Francisco Fernandes Carvajal – reflexões do XII domingo do tempo comum).