BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Em uma mudança de última hora, o relator da Reforma Tributária, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), incluiu no texto aprovado no plenário da Câmara um dispositivo que deve assegurar benefícios fiscais à montadora chinesa que vai se instalar onde antes funcionava a fábrica da Ford em Camaçari, na Bahia.
O tema vinha sendo negociado sob reserva nos últimos dias e virou uma prioridade para o governo, diante do peso desses negócios para a Bahia. O estado é reduto histórico do PT e também é base eleitoral do ministro Rui Costa (Casa Civil) e do líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA).
O novo artigo foi incluído em uma emenda aglutinativa de plenário, protocolada às 21h43 desta quinta-feira (6) menos de dez minutos antes da proclamação do resultado da votação do texto-base. Parlamentares de legendas como o Novo reclamaram do fato de não terem tido conhecimento antes da nova versão, que foi chancelada pelos parlamentares.
A reforma já continha mecanismos para assegurar a convalidação de benefícios fiscais do ICMS até 2032, conforme aprovado na lei complementar 160, de 2017.
O novo dispositivo estende essa medida a projetos que tenham sido aprovados até 31 de dezembro de 2024. A concessão também alcança projetos validados até 31 de dezembro de 2025 “que ampliem ou reiniciem a produção em planta industrial utilizada em projetos ativos ou inativos aprovados até 31 de maio de 2023”.
Na prática, o artigo garante a concessão dos benefícios mesmo que a fábrica ainda não tenha sido efetivamente instalada na data da promulgação da Reforma Tributária. O início das atividades da empresa é o que marca o início da aplicação dos incentivos.
A medida tem potencial para beneficiar, por exemplo, a montadora chinesa BYD (Beyond Your Dreams), que anunciou na última terça-feira (4) R$ 3 bilhões em investimentos para fabricar carros elétricos em Camaçari (BA), onde funcionava antes a fábrica da Ford. O protocolo foi assinado em outubro de 2022, mas as plantas só devem entrar em operação no fim de 2024.
Na semana anterior, em 28 de junho, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) recebeu no Palácio do Planalto a vice-presidente executiva da BYD e presidente da BYD para as Américas, Stella Li, ao lado de Rui Costa e do governador da Bahia, Jerônimo Rodrigues (PT).
Segundo aliados de Lula ouvidos pela Folha, o artigo foi “corretamente incluído” pelo relator na reforma, uma vez que a Bahia fechou o acordo com a montadora chinesa recentemente, dentro das regras atuais que serão mantidas até 2032.
Se a PEC (proposta de emenda à Constituição) fosse aprovada e promulgada antes da efetiva instalação da companhia e do início da concessão do benefício, isso poderia comprometer o acerto e até gerar insegurança jurídica.
Entre aliados do governo, a percepção é de que, sem esse artigo, o Brasil ficaria “desmoralizado” com a China. Por isso, houve pedidos tanto do governo quanto de parlamentares do PT para incluir o trecho.
A iniciativa também foi apoiada por deputados de outras legendas que têm a Bahia como reduto eleitoral. “Pedimos também que o relator tenha uma atenção especial, como o nosso governador Jerônimo Rodrigues solicitou, para que possa ser prorrogado o regime automotivo do Nordeste, que vem gerando muito emprego, muito desenvolvimento”, disse o deputado Gabriel Nunes (PSD-BA) durante as discussões.
A emenda aglutinativa também incluiu um artigo para prorrogar, até 31 de dezembro de 2043, a possibilidade de estados e o Distrito Federal instituírem contribuição sobre produtos primários e semielaborados produzidos em seus respectivos territórios para investimento em obras de infraestrutura e habitação.
O relator afirmou que o dispositivo atende a um pedido de Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Pará.
Esses estados têm uma espécie de taxa aplicada sobre produtos como a soja, com o objetivo exclusivo de financiar ações ligadas principalmente à infraestrutura rodoviária. Para alguns deles, trata-se de uma fonte relevante de receitas.
O texto inicial da Reforma Tributária previa o fim gradual desses fundos entre 2029 e 2033, junto com a transição do ICMS para o novo IBS (Imposto sobre Bens e Serviços).
O volume arrecadado por esses estados com a contribuição, porém, precisaria ser garantido por meio da chamada transição federativa, período de 50 anos em que haverá redistribuição de recursos entre estados e municípios para evitar oscilações bruscas de receitas.
Na prática, os demais entes acabariam arcando com a fatura, abrindo mão de arrecadação para ressarcir os quatro estados que hoje fazem uso dessa cobrança extra.
Segundo um técnico, a saída dada pelo relator prolonga a aplicação da contribuição por 20 anos, menos do que os 50 anos durante os quais a conta seria dividida com o restante do país.
O deputado Aguinaldo Ribeiro disse que os demais estados concordaram com a mudança.
“São fundos que já existiam nos estados e que são específicos, que eles já cobram, que estão atrelados à infraestrutura. No acordo, pediu-se phase out [redução gradual] para que se acabasse o fundo. Esse prazo de 2043 é para que haja o phase out, e esse fundo seja acabado durante a transição, como nós estamos propondo em consenso com todos os governadores”, afirmou.