Fernando Gambôa
O volume de vendas do comércio varejista no Brasil cresceu 1,2% em julho em 2021, na comparação com junho, atingindo a quarta alta positiva consecutiva e fazendo o setor alcançar recorde na série histórica desde 2000. Comparando com julho de 2020, o comércio varejista cresceu 5,7%, sendo a quinta taxa positiva seguida, com bons resultados de tecidos, vestuário e calçados (42%), outros artigos de uso pessoal e doméstico (36,8%), combustíveis e lubrificantes (6,4%), artigos farmacêuticos, médicos, ortopédicos, perfumaria e cosméticos (4,8%). Os dados, divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), evidenciam a retomada deste mercado no Brasil.
Nesse setor, uma pauta cada vez mais relevante é a economia circular, prática absolutamente necessária para que nossa sociedade consiga lidar com recursos naturais finitos e ecossistemas que precisam ser protegidos, que tem como objetivo a circulação de materiais não orgânicos somente dentro das cadeias produtivas. Na direção certa, entre as práticas mais comuns no Brasil, podemos citar a logística reversa e coletas seletivas, fundamentais para que aconteça a reciclagem. Essas práticas permitem uma menor produção de resíduos, e se bem planejadas, podem ainda ajudar a reduzir emissões de gases de efeito estufa, além de uso menor de água e energia, o que em conjunto protege mais nosso meio ambiente, contribuindo também para reduzir os impactos de nossas atividades de consumo sobre o clima.
Por fim, mas não menos importante, princípios da economia circular também ganharam uma grande relevância durante a pandemia da Covid-19, por exemplo com a venda de peças usadas. Essa perspectiva pode ser enquadrada como uma ação de consumo inteligente, além de promover geração de emprego e renda. Pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI) revela que 76,5% das indústrias desenvolvem alguma iniciativa do tipo, sendo principais práticas otimização de processos (56%), uso de insumos circulares (37%) e recuperação de recursos (24%). Para a maioria dos entrevistados (88%) a economia circular é importante ou muito importante para a indústria.
O tema é tão relevante que compõe um dos quatro temas de maior interesse indicados por líderes da Cadeia Nacional de Abastecimento em evento da Associação Brasileira de Supermercados (Abras). Além disso, este é um novo paradigma de consumo, por várias razões. A primeira é que a Revolução Industrial foi pensada com cadeias produtivas lineares, com a premissa que os recursos naturais não eram finitos e de que os restos da produção e do consumo poderiam infinitamente ser acumulados em aterros e locais similares. Além disso, a produção tradicional pode demandar muita água, o que não é sustentável neste momento quando todas as regiões do planeta sofrem com restrições hídricas, inclusive o Brasil, e pode demandar muita energia.
Estamos em uma nova era com novas demandas, onde os consumidores, mais engajados do ponto de vista social e do cuidado ambiental, demandam processos mais limpos, fontes renováveis de energia e práticas alinhadas aos fatores ESG (Environmental, Social and Governance). Neste contexto, vemos que as tradicionais cadeias lineares, pouco a pouco, têm sido substituídas por cadeias circulares, onde parte do que antes seria descartado ao final da cadeia, consegue voltar ao início, originando um novo ciclo para aquele insumo ou produto. O Brasil, aliás, é referência na reciclagem de alumínio, prática que preserva a natureza, beneficia pessoas e diminuiu recursos de produção. Mas tem ainda muito o que fazer no estabelecimento de cadeias industriais totalmente circulares.
Outro ponto relacionado é que, cada vez mais, o consumidor é também vendedor. E esta possibilidade de colocar à venda aquilo que não se quer mais foi potencializada com a digitalização, onde hoje os consumidores vendedores têm uma série de aplicativos e sites para poder comercializar seus produtos e movimentar a economia. Há vários exemplos, desde brechós de roupas, calçados e acessórios, passando por empresas que coletam embalagens, e até carros por assinatura, com o uso substituindo a posse. Quando o varejo usa novas tecnologias, há voz, imagem e conexão de vendas não só no bairro, mas em todo o Brasil e até fora. O empreendedorismo digital está conectado com oferta de produtos personalizados, que encantam as novas gerações.
Embora a economia circular precise de melhorias de infraestrutura e atualização tributária para estimular ainda mais o uso consciente dos recursos naturais, ela gera oportunidades que valorizam as boas práticas e os diferenciais das empresas. Uma matriz energética limpa e renovável beneficia as organizações em um mercado que quer sustentabilidade. Aproveitar oportunidades relacionadas à economia circular é estratégico pois desenvolve novos elos na cadeia produtiva, gera negócios e empregos.
A economia circular baseada em princípios ESG integra economia, tecnologia, digitalização, personalização e escala. São negociações mais sustentáveis, com produtos mais acessíveis e que – pouco a pouco – aliviam os ecossistemas da pressão dos resíduos e emissões. Com a ampliação do escopo de atuação organizacional, podemos construir um novo modelo de negócios mais moderno e conectado com o que há de melhor em termos de inovação, sustentabilidade e tecnologia no mercado de consumo e varejo. Esta pauta tem que avançar, pois, o que é bom para o meio ambiente e toda a sociedade, acaba sendo positivo também para as empresas e o mercado.
*Fernando Gambôa é sócio-líder de Consumo e Varejo da KPMG no Brasil e na América do Sul.