*Maurício Endo
O Brasil está avançando em um ousado plano de universalização dos serviços de saneamento, com previsão de quadruplicar os investimentos anuais. De acordo com o novo marco legal do saneamento básico (Lei 14.026/2020), sancionado em julho do ano passado, o objetivo do governo federal é garantir que, até o ano de 2033, 99% dos brasileiros tenham acesso à água potável e 90% à coleta e ao tratamento de esgoto.
Atualmente, 84% da população brasileira têm acesso à distribuição de água, o que significa que 34 milhões de pessoas ainda não estão sendo beneficiadas. Já os serviços de tratamento de esgoto atendem pouco mais da metade (54%) da população, deixando mais de cem milhões de brasileiros sem esse serviço essencial para a saúde.
Um estudo da KPMG no Brasil, elaborado com a Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon), estima que o investimento total necessário para a universalização destes serviços é de aproximadamente R$ 750 bilhões. Isso representa um investimento futuro de mais de R$ 50 bilhões por ano – mais de quatro vezes o valor médio anual destinado pelo setor nos últimos cinco anos.
O novo marco legal abre o mercado para o setor privado, que poderá fornecer os serviços tão necessários, encerrando o monopólio das 26 Companhias Estaduais de Saneamento Básico responsáveis pelo atendimento de 70% dos 5.570 municípios brasileiros, essas empresas vinham renovando automaticamente os contratos de concessão e muitas vezes sem especificar claramente as metas de atendimento à população e redução de perdas.
Vale lembrar que, até a entrada em vigor do novo marco legal, as empresas privadas forneciam serviços de saneamento em apenas 6% dos municípios brasileiros. Com o advento desta lei, uma nova era de concorrência está surgindo. De agora em diante, os municípios deverão realizar concorrências, por meio de licitações públicas, abertas a qualquer operador, para assinar novos contratos para a prestação de serviços de distribuição de água ou de tratamento de esgoto.
Hoje, mais de 70 agências reguladoras – nos níveis municipal, intermunicipal ou estadual – fiscalizam o saneamento, sendo que cada uma delas estabelece normas regulatórias próprias. Esse modelo aumenta de forma expressiva a complexidade e o custo da prestação adequada de serviços. Assim, para reduzir riscos regulatórios para os investidores e melhorar o controle da qualidade dos serviços de saneamento, o novo marco legal também definiu que a Agência Nacional de Águas (ANA) institua novas normas de referência nacionais a serem seguidas pelas agências reguladoras locais e pelos prestadores de serviço de saneamento.
Publicada pela ANA em abril deste ano, a Agenda Regulatória do Saneamento apresenta um cronograma para a elaboração de 23 novas normas até o final de 2022. O documento aborda, entre outros, os seguintes itens: requisitos de qualidade e eficiência do serviço, manutenção e operação do sistema, regulamentação das tarifas, padronização dos instrumentos contratuais, metas de universalização, contabilidade regulatória, cálculo de indenizações e regras de expiração de contratos.
Além disso, já foram publicados os três decretos previstos no novo marco legal, que regulamentam aspectos da governança interministerial, o apoio da União aos estados e municípios e a comprovação da capacidade financeira dos prestadores de serviços para a universalização.
Importante observar que, nestes últimos doze meses, já foram realizados quatro grandes leilões de concessão de serviços de saneamento em quatro estados. Todos foram vencidos por consórcios liderados por investidores privados, que arrecadaram mais de R$ 20 bilhões em outorgas para os governos e garantiram mais de R$ 33 bilhões em investimentos para melhorias dos serviços nos estados de Alagoas, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul e Rio de Janeiro. Mais cinco processos licitatórios estão previstos para os próximos meses, nos estados do Amapá, Alagoas, Ceará e Rio Grande do Sul, com investimentos que chegam a R$20 bilhões.
Até 2022, dois anos após a entrada em vigor do novo marco legal, cerca de R$ 50 bilhões deverão ter sido contratados por meio das novas concessões em sete estados – Alagoas, Amapá, Ceará, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro.
É um bom começo, considerando que outros R$ 700 bilhões ainda precisarão ser captados até 2033 para a universalização dos serviços de água e esgoto no restante do País. Tais investimentos serão obtidos principalmente com recursos privados e de mercados de capitais, por meio de novos contratos de concessão e parceria público-privada, abertura de capital por meio de IPOs (oferta pública inicial) ou com a privatização das Companhias Estaduais de Saneamento Básico.
Ainda há, sim, um longo caminho a ser trilhado. No entanto, à medida que conseguimos avançar efetivamente na melhoria do ambiente regulatório do setor e na estruturação de projetos de melhor qualidade, o futuro do saneamento no Brasil parece promissor. Dado o grande sucesso dos últimos quatro leilões, pode-se dizer que a ambiciosa jornada brasileira para universalizar os serviços de água e saneamento está decolando.