FÁBIO PESCARINI
DA FOLHAPRESS
O designer Jonas Pacheco de Oliveira, 41, descia a avenida Rebouças, na zona oeste de São Paulo, quando sua bicicleta foi atingida por trás pelo carro de uma jovem, segundo ele, em alta velocidade. O atropelamento ocorreu por volta das 6h de um sábado de 2019, quando a via estrava livre e com poucos veículos.
A motorista fugiu e por pouco o ciclista, que sofreu escoriações e ralados, não entrou para uma estatística que cresce ano a ano no trânsito brasileiro.
Um levantamento divulgado pela Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet) mostra que no ano passado o número de ciclistas vítimas de acidentes graves de trânsito, ou seja, que provocaram hospitalizações por ao menos 24 horas, cresceu cerca de 22% no país na comparação com 2019, período anterior à pandemia de Covid-19.
A estatística, feita a partir de dados do Sistema de Informações Hospitalares do SUS, aponta que em 2019 um total de 13.171 ciclistas vítimas do trânsito acabaram internados. Já no ano passado, foram 16.070, ou seja, por dia, 44 pessoas de bicicletas tiveram de ser hospitalizadas com lesões graves.
Na comparação entre o ano passado e 2020 -quando houve 14.116 internações- a alta foi de cerca de 11%.
O estudo faz parte de um conjunto de diretrizes publicadas pela associação médica sobre sinistros de trânsito decorrentes do deslocamento de bicicletas.
Conforme o documento, entre 2018 e 2020 (dados mais atualizados), o Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde, registrou quase quatro mortes de ciclistas por dia.
Os dados também mostram que 55,8 mil ciclistas com lesões graves foram internados na rede pública entre 2018 e 2021. E que 80% das vítimas são homens, sendo que 47% têm de 20 a 49 anos.
Não há dados atualizados sobre o número de bicicletas no país, mas a Abramet calcula que há 70 milhões delas circulando pelas ruas.
Segundo a Abraciclo, associação que reúne fabricantes do setor, a estimativa é que a indústria tenha produzido cerca de 3,4 milhões de bicicletas no ano passado, contra 4.175 milhões de unidades em 2019, ou seja, uma queda de quase 20%, o que não inibiu a alta dos sinistros.
O documento da associação médica lembra que por causa do isolamento social em virtude da pandemia de Covid-19 e a necessidade de se evitar aglomerações no transporte público, a bicicleta passou a ser mais utilizada em deslocamentos. Além disso, passou a ser mais usada como ferramenta de trabalho por entregadores.
Segundo a CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) dos Aplicativos da Câmara Municipal de São Paulo, dos cerca de 250 mil entregadores informais na cidade de São Paulo, a estimativa é que 12 mil usam bicicletas.
“É preciso uma mudança na educação de trânsito”, afirma o médico Flávio Adura, diretor científico da Abramet e professor aposentado da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).
Por quilômetro percorrido, aqueles que se deslocam de bicicletas têm oito vezes maior probabilidade de morrer em um sinistro de trânsito do que ocupantes de um veículo de passeio, segundo a diretriz.
O médico critica a falta de legislação que obrigue ciclistas a usarem capacetes. “Porém, uma lei só vai funcionar se houver uma grande campanha de conscientização”, diz. Segundo o documento da Abramet, em países onde o equipamento se tornou obrigatório entre ciclistas, como na Austrália e na Nova Zelândia, sua utilização cresceu até 40%.
Para o médico, outro agravante é a falta de exigência de algum tipo de habilitação do ciclista.