STEFHANIE PIOVEZAN
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Se você consegue reconhecer o choro de um bebê com dor, muito provavelmente é pai ou mãe de uma criança pequena. Pelo menos é o que indica um estudo divulgado nesta semana na revista científica Current Biology. De acordo com a pesquisa, a capacidade de diferenciar momentos dolorosos de situações de desconforto não é inata, mas sim resultado da experiência. Pais e cuidadores aprendem com a prática a decodificar os sinais presentes no pranto.
O artigo mostra que adultos com larga experiência com bebês, seja por serem pais ou profissionais de cuidado infantil, identificam o choro de crianças familiares em uma taxa maior do que o acaso. Porém apenas pais de crianças pequenas, aqueles envolvidos em um cuidado intensivo dia e noite, são capazes de diferenciar desconforto e dor em um bebê com o qual nunca tiveram contato, algo inesperado pelos cientistas.
Eles imaginavam que, assim como os pais, os profissionais de cuidado infantil também seriam bem-sucedidos na tarefa de reconhecer os sinais de bebês desconhecidos, uma vez que costumam ter contato com muitas crianças durante um dia de trabalho, contudo não foi o que ocorreu.
“Isso nos surpreendeu em um primeiro momento, mas condiz com a ideia de que ouvintes experientes podem desenvolver uma resistência que reduz sua sensibilidade aos sinais acústicos de dor”, conta Camille Fauchon, coautora do artigo e pesquisadora na Universidade de Saint-Etienne, na França.
A pesquisa integra um programa de investigação dedicado a compreender como a informação é codificada no choro dos bebês e como os adultos extraem essa informação. “Antes que uma criança possa falar, é essencial entender seus sinais para que suas necessidades sejam atendidas: ela está com fome, com sono ou com dor? Em particular, detectar e avaliar a dor dos bebês é necessário para gerenciar quaisquer problemas médicos”, diz Fauchon.
A pesquisadora afirma que as escalas atuais de avaliação de dor baseadas nas expressões faciais e comportamento do bebê, e em informações relatadas pelos pais, são incompletas e imprecisas, daí a importância de compreender as informações codificadas na estrutura acústica do pranto infantil.
O choro de dor é mais longo, mais alto e mais estridente e o estudo buscou compreender se a experiência afetava a capacidade de decodificar essas propriedades acústicas universais. Para tanto, os pesquisadores recrutaram participantes com diferentes níveis de contato com bebês, incluindo pessoas sem familiaridade alguma, cuidadores eventuais, pais de crianças acima de 5 anos e pais de crianças menores de 2 anos.
O experimento foi conduzido pela internet, a partir da plataforma Prolific, e os participantes receberam pagamento pelo tempo gasto. “Esse formato garante um certo nível de motivação, o que é sempre difícil em iniciativas online, sem se tornar uma fonte de renda completa. Também é uma solução interessante para realizar experimentos quando as pessoas não podem entrar no laboratório, como foi o caso durante o lockdown pela Covid”, argumenta Fauchon.
Após o recrutamento, teve início uma fase de treinamento. Em dois dias, os 234 participantes ouviram oito áudios de desconforto captados durante o banho de um mesmo bebê, para se familiarizarem com a criança. Depois, foram apresentados a uma sequência de quatro áudios, dois referentes a desconforto e dois choros de dor captados em momentos de vacinação. Por fim, ouviram mais quatro áudios, também de dor e desconforto, de um bebê até então não ouvido.
Participantes que não eram pais tiveram taxa de acerto próxima a 50% ao ouvirem o bebê com o qual tinham se familiarizado, enquanto pais de crianças maiores de 5 anos alcançaram 65,5%. Profissionais de cuidado infantil chegaram a 71,1% e pais de bebês, 71,2%. Estes também tiveram taxa de acerto de 64,2% ao ouvirem o choro de um bebê desconhecido, mostrando que a experiência influencia a percepção.
“Estamos interessados agora em estudar as bases neurobiológicas desses processos perceptivos. Temos estudos de neuroimagem em andamento que ajudarão a entender como a experiência e a paternidade moldam a atividade cerebral e fazem com que os adultos se tornem especialistas no reconhecimento do choro dos bebês. Também estamos investigando como fatores demográficos, incluindo idade, podem afetar o processo de identificação do choro”, finaliza a pesquisadora.
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