ANNA VIRGINIA BALLOUSSIER E JOSÉ MARQUES
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Um grupo de advogadas feministas se assustou no início de novembro com um alerta do Google. O aviso apontava que cinco livros lançados gratuitamente por elas estavam à venda por R$ 24,90 na Amazon.
Sem autorização das autoras, os títulos haviam sido colocados à venda em setembro pela ESA (Escola Superior de Advocacia) da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) de São Paulo. E esse nem sequer é o ponto mais problemático, elas dizem.
As duas obras mais recentes, no original, traziam fotos de mulheres na capa, extraídas de um banco de imagens. “Direito das Mulheres” exibia mulheres brancas e negras se abraçando, e “Direito Antidiscriminatório”, apenas representantes de minorias, como negras, indígenas e muçulmanas.
As publicações não consentidas optaram por uma versão seca, que estampa o logo da FemiJuris, rede que diz buscar o fortalecimento do “protagonismo da mulher no exercício da advocacia, com intuito de diminuir a desigualdade de gênero presente na profissão”.
A ESA não fez “nada do que a gente tinha acordado”, diz Lígia Vasconcelos, fundadora da FemiJuris. “Os ebooks apareceram de maneira bem surpreendente. A gente soube depois de meses, por conta de notificação do Google. Em nenhum momento a gente cedeu esse direito.”
“Um dos pontos mais graves”, continua, é a alteração “de uma maneira bem injusta” das capas com fotos de mulheres. “[As novas] não fazem jus ao conteúdo dentro do livro, ficou bem simplório. A gente nem sabia que essas capas iam ser modificadas.”
O episódio, que a ESA chama de “equívoco operacional” sem anuência da atual diretoria da escola, serviu para inflamar a disputa interna pela presidência da OAB paulista.
O grupo feminista tem apoiado a advogada Dora Cavalcanti, cuja plataforma é centrada em questões relacionadas à diversidade. Duas das três curadoras do quinto título da série, por exemplo, integram sua chapa como candidatas a conselheiras.
Já a gestão atual é chefiada por Caio Augusto Silva dos Santos, que tenta a reeleição e virou alvo de questionamentos das outras chapas sob acusação de haver pouco protagonismo de mulheres e pessoas negras na OAB-SP.
Ele tem dito que desde o princípio abre espaço a esses quadros, que mais de 50% das comissões são presididas por advogadas e que as críticas vêm de adversários com “projetos pessoais”.
Há pouco mais de um ano, FemiJuris e ESA começaram a conversar para o relançamento dos cinco livros, sobre temas que vão do direito do trabalho à violência doméstica.
No primeiro trimestre de 2021, a tratativa esfriou, em parte porque as advogadas se incomodaram com o que viram como gestos racistas da direção da OAB paulista.
Em dezembro, sob pressão para injetar pluralidade na cúpula, a Ordem nacional aprovou a paridade de gênero (50% de mulheres) e de cotas raciais para 30% nos órgãos da entidade a partir das eleições.
Inicialmente, a ideia era a de que esse percentual valesse para cada degrau do poder interno –diretoria, conselhos e comissão. Na OAB, as chapas concorrentes devem apresentar candidatos para todos os postos em disputa, presidente, vice, conselheiros, suplentes etc.
Depois, a regra foi diluída para permitir que a reserva dessas vagas seja aplicada de forma geral.
Ou seja, pode-se adicionar mais negros na eleição para 160 postos de conselheiros estaduais (efetivos e suplentes) e compensar a falta deles em outras instâncias. E as cotas valem só para chapas eleitorais, não mais para atividades da ordem.
Se alguém se afastar de cargo, por exemplo, em teoria a composição pode ser 100% branca. E é possível também colocar todas as pessoas negras na suplência da chapa. Para a advocacia negra, a alteração serviu de brecha para alijá-la dos cargos de direção.
Todas as candidaturas são encabeçadas por brancos, com uma negra que pleiteia a vice-presidência: Lazara Carvalho, porta-voz do Elo – Incluir e Transformar, movimento que acusa a atual gestão de letargia no combate ao racismo e na promoção interna de diversidade. Ela compõe a chapa liderada por Dora Cavalcanti.
É nessa atmosfera bélica que entra o quiproquó com o relançamento dos livros da FemiJuris. Irritou sobretudo o tom da resposta ao questionamento das advogadas.
O email diz que, “visando proporcionar maior transparência”, a ESA levantou “os valores do serviço de assinatura da Amazon” arrecadados com a leitura de páginas dos cinco volumes.
Caso entendessem necessários, que “por gentileza” informassem uma conta bancária para o depósito dos royalties gerados: R$ 1,18.
Em nota à Folha, a ESA adota texto similar ao enviado às autoras. Diz que “pede desculpas pelo equívoco operacional ocasionado pela troca de equipe e por interpretações equivocadas no trânsito de informações”.
Isso teria levado, segundo a entidade, à publicação errada das obras e nas capas modificadas “sem a autorização formal das autoras e da atual diretoria da Escola Superior de Advocacia”.
A entidade informa, no entanto, que, “no período de disponibilidade dos referidos volumes na plataforma de e-commerce da Amazon, nenhum exemplar foi vendido, e foram lidas, pela modalidade Kindle Unlimited, um total de 126 páginas, acarretando royalties de R$ 1,18, que serão regularmente repassados às autoras”.
Os cinco títulos foram removidos “assim que o problema foi detectado, sendo certo que tais equívocos certamente não correspondem à nossa política de respeito ínsito ao trabalho acadêmico e educacional dos professores e profissionais vinculados à Escola”, conclui a ESA.
“A gente ainda está estudando essa indelicadeza e também essa falta de ética que aconteceu da parte deles”, afirma Vasconcelos. A fundadora da FemiJuris não descarta parcerias futuras, porém.
Diz esperar que a ESA “entenda nosso ponto de vista, o quanto é importante para o empoderamento da mulher advogada que esse relacionamento continue de uma maneira saudável, sem esse aproveitamento, digamos assim, que aparentou [existir] no meio dessa relação”.
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