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CRÔNICA

Assim é que foi

Renato Benvindo Frata

Dona Quitéria era parteira e doceira. De suas mãos, crianças nasciam bem e doces dos mais variados adoçavam olhos e bocas. Tudo nela era bom. Seu olhar, seus meigos gestos, sua voz, suas decisões. Simplória, perambulava a “apanhar” crianças independentemente da cor ou condição social. E a vender doces de casa em casa.

Um dia bateu-lhe à porta uma grávida esbaforida. A criança dera fortes sinais e, se não fosse sua rapidez e perícia no atendimento, ela nasceria ali no portão. Correu com panos, água quente e muito jeito e aparou uma linda menina de pele escura e de olhos tão grandes, redondos, brilhantes, espertos e verdes que pareciam duas maritacas. Riram ambas dessa doida comparação entre choros e risos, palavras de carinho e conforto que um parto sempre arranca. Mas a mulher, mal terminado o trabalho de se limpar, aproveitou-se de um descuido e sumiu. Como veio, sem deixar nome, parentesco ou endereço; e dona Quitéria, com a menina nos braços, contou ao Delegado que, não tendo saída, a orientou mantê-la consigo até que a mãe voltasse. E assim ficou.

Zelosa, na devida hora matriculou a menina na escola, mas Quiterinha, detestando letras, rejeitou o estudo. Colocou-a na cozinha com seus doces e ela se negou; não se dava com a quentura do fogão. No tanque às roupas, repugnou: o sabão lhe cortava as mãos. Na limpeza de casa, no quintal com a capina, nada! Não fora feita para esses trabalhos. E foi crescendo, ficando bonita, viçosa, arredondou a bunda, encheu os seios a estufar os panos e roliçou as pernas… até se ver como a negra linda de olhos verdes resplandecentes, motivo de cupidez a quem por ela passasse.

E o que possuía de formosura, tinha-o vaidade a mais se embelezar, a exigir da mãe postiça roupas novas e caras que ela, com seu modesto trabalho não podendo dar, não dava. Daí a desavença com brigas de atrair olhares e curiosos. Uma perdição.

Até que parou ali um Chevrolet Bigode com o mascate Mohammed dentro, que logo abriu sua grande mala de onde tirou belos e encantadores vestidos, sapatos de saltos, combinações bem cortadas, calçolas de tecido macio, meias compridas rendadas, blusas com golas de talagarça que encantaram a moça.

Um mais bonito que o outro e todos nas suas medidas, na maior coincidência! Vestiu-os, experimentou-os e se apaixonou.

Pelo automóvel, pela mala e pelo mascate, claro, a ponto de seus olhos-esmeralda brilharem quais faroletes em noite sem lua, e de seu lindo rosto negro se transformar em translúcida alegria. E, naquele estado de êxtase com o mundo lhe rendendo graças, abriu os braços num longo abraço que a levou a encaixar seus lábios nos dele para, com agilidade de gata, colarem os corpos num muxoxo de esplendor desfazendo-se loguinho dos panos.

Como fizera a mãe, nem deu tchau à parteira.

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